segunda-feira, 31 de março de 2014

SE VOCÊ ME ESQUECER ( Pablo Neruda ) TRADUÇÃO :" Sí tu me olvidas "


Eu quero que você saiba uma coisa.
Você sabe como, como é:
se eu olhar a lua de cristal,
os ramos rubros do lento outono em minha janela,
se eu tocar perto do fogo a implacável cinza,
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva a você,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais, fossem pequenos barcos que navegam em direção às tuas ilhas que me esperam.

Bem, agora...
se pouco a pouco você deixar de me amar,
 vou parar de te amar,
pouco a pouco.

Se , de repente, você me esquecer,
não olhe para mim,
pois eu já me esqueci de você.

Se você considera longo e louco,
o vento das bandeiras que passa pela minha vida,
e você decide me deixar na praia, do coração em que tenho raízes,
Lembre-se...
que naquele dia, àquela hora,
eu levantarei meus braços,
e minhas raízes partirão a procurar outra terra.

Mas, se cada dia, cada hora,
você sente que você está destinado para mim,
com doçura implacável,
se a cada dia uma flor sobe até seus lábios a me procurar,
Ah ...Meu Amor, Ah Meu....
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada é extinguido ou esquecido,
Meu Amor se alimenta do seu Amor Amado,
e enquanto você viver, estará em seus braços,
sem deixar os meus.

 Fonte : http://palavraspoemasepoetas.blogspot.com

sábado, 29 de março de 2014

Te Amo


Te amo
Te amo de uma maneira inexplicável
De uma forma inconfessável
De um modo contraditório
Te amo
Te amo, com meus estados de ânimo que são muitos
E mudar de humor continuadamente
Pelo que você já sabe
O tempo
A vida
A morte
Te amo
Te amo com o mundo que não entendo
Com as pessoas que não compreendem
Com a ambivalência da minha alma
Com a incoerência dos meus atos
Com a fatalidade do destino
Com a conspiração do desejo
Com a ambiguidade dos fatos
Ainda quando digo que não te amo, te amo
Ate quando te engano, não te engano
No fundo levo a cabo um plano
Para amar-te melhor
Te amo
Te amo sem refletir, inconscintemente
Irresponsavelmente, espontaneamente
Involuntariamente, por instinto
Por impulso, irracionalmente
De fato não tenho argumentos lógicos
Nem sequer improvisados
Para fundamentar esse amor que sinto por ti
Que surgiu misteriosamente do nada
Que não resolveu magicamente nada
E que milagrosamente, pouco a pouco, com pouco e nada
Melhorou o pior de mim
Te amo
Te amo com um corpo que não pensa
Com um coração que não raciocina
Com uma cabeça que não coordena
Te amo
Te amo incompreensivelmente
Sem perguntar-me porque te amo
Sem importa-se porque te amo
Sem questionar-me porque te amo
Te amo
Simplesmente porque te amo
Eu mesma não sei porque te amo.


Gian Franco Pagliaro

Estou cansado

 Álvaro de Campos

Estou cansado, é claro,  
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.  
De que estou cansado, não sei:  
De nada me serviria sabê-lo,  
Pois o cansaço fica na mesma.  
A ferida dói como dói 
E não em função da causa que a produziu.  
Sim, estou cansado,  
E um pouco sorridente 
De o cansaço ser só isto - 
Uma vontade de sono no corpo,  
Um desejo de não pensar na alma,  
E por cima de tudo uma transparência lúcida 
Do entendimento retrospectivo... 
E a luxúria única de não ter já esperanças?  
Sou inteligente; eis tudo.  
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,   
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,  
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Esta velha angústia,


                                                                            Álvaro de Campos 

Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.

Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

Se te queres matar, por que não te queres matar?

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! Que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria…
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo polícromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente…
Talvez, acabando, comeces…
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te…
Talvez peses mais durando, que deixando de durar…
A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão…
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros…

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da sua vida falada…
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas…
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além…

Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres que morreste.
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia…
Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos…
Se queres matar-te, mata-te…
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?
Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?
Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te sistema físico-químico
De células nocturnamente conscientes
Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atómica das coisas,
Pelas paredes turbilhonantes
Do vácuo dinâmico do mundo…

(1926)

 Álvaro de Campos