quinta-feira, 24 de dezembro de 2020
O DESESPERO DA PIEDADE
domingo, 4 de outubro de 2020
Isolamento
sábado, 26 de setembro de 2020
Bandeira
domingo, 30 de agosto de 2020
Elegia 1938
quinta-feira, 20 de agosto de 2020
Se jogar no vazio
quinta-feira, 14 de maio de 2020
o inferno
terça-feira, 12 de maio de 2020
VISITAÇÃO
terça-feira, 28 de abril de 2020
despedida
"Eu acho que nunca cheguei a dizer a ninguém, só mesmo à Romina, mas na minha cabeça eu sempre escondia este pensamento: as despedidas têm cheiro. E não é cheiro bom tipo cha-de-caxinde, ou as plantas a darem ares duma primeira respiração na frescura da manhã, entre silêncios e cachimbos molhados. Não. Despedida tem cheiro de amizade cinzenta. Nem sei bem o que isso é, nem quero saber. Não gosto mesmo de despedidas.(...)
O camarada professor Angel continuava a falar e, sem querer, dizia coisas que nos emocionavam muito. Nas despedidas acontece isso: a ternura toca a alegria, a alegria traz uma saudade quase triste, a saudade semeia lágrimas, e nós, as crianças, não sabemos arrumar essas coisas dentro do nosso coração."
Conto "um pingo de chuva". Os da minha rua. ondjaki.
segunda-feira, 13 de abril de 2020
A peste e a desigualdade
Flagelos e vítimas
"Digo apenas que há neste mundo flagelos e vítimas e que é necessário, tanto quanto possivel, recusarmo-nos a estar com o flagelo. Isto parece a você talvez um pouco simples. Não sei se é simples, mas sei que é verdadeiro. (...)Foi assim que decidi pôr-me do lado das vítimas, em todas as ocasiões, para limitar os prejuízos. No meio delas, posso ao menos procurar saber como se chega à terceira categoria, isto é, à paz.
Ao terminar, Tarrou balançava a perna e batia levemente como pé no terraço. Depois de um silêncio, o médico soergueu-se um pouco e perguntou-lhe se tinha alguma ideia sobre o caminho que era preciso seguir para se chegar à paz.
-Tenho. A simpatia.
- Em resumo - disse Tarrou com simplicidade, o que me interessa é saber como alguém pode tornar-se um santo.
- Mas você não acredita em Deus...
- Justamente. Poder ser um santo sem Deus é o único problema concreto que tenho hoje.(...)
- Talvez - respondeu o médico -, mas, sabe, sinto-me mais solidário com os vencidos do que com os santos. Creio que não sinto atração pelo heroísmo e pela santidade. O que me interessa é ser um homem.
- Sim, buscamos a mesma coisa, mas eu sou menos ambicioso."
Albert Camus, in A peste.
segunda-feira, 2 de março de 2020
O silêncio
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020
Medo do escuro
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020
A origem dos outros
domingo, 23 de fevereiro de 2020
Ser ou tornar-se estrangeiro
(...) não existem estrangeiro. Existem apenas versões de nós mesmos; muitas delas nós não abraçamos, e da maioria desejamos nos proteger. Pois o estrangeiro não é desconhecido, e sim aleatório; não é alienígena, e sim lembrado; e é o caráter aleatório do encontro com nossos eus já conhecidos, ainda que não admitidos, que causa um sinal de alarme. Que nos faz rejeitar a figura e a emoção que ela provoca, principalmente quando essas emoções são profundas. É também o que nos faz querer possuir, governar e administrar o Outro. Romantizá-lo, se pudermos, e assim trazê-lo de volta para dentro de nossos próprios espelhos. Em qualquer dos casos (seja no alarme, seja na falsa reverência), nós lhe negamos a realidade como pessoa, a individualidade específica que instimos manter para nós mesmos.
Toni Morrison. A origem dos outros. Seis ensaios sobre racismo e literatura.
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020
OS BRAVOS E SERENOS HERDARÃO A TERRA
terça-feira, 18 de fevereiro de 2020
Certidão de óbito
Os ossos de nossos antepassados
colhem as nossas perenes lágrimas
pelos mortos de hoje.
Os olhos de nossos antepassados,
negras estrelas tingidas de sangue,
elevam-se das profundezas do tempo
cuidando de nossa dolorida memória.
A terra está coberta de valas
e a qualquer descuido da vida
a morte é certa.
A bala não erra o alvo, no escuro
um corpo negro bambeia e dança.
A certidão de óbito, os antigos sabem,
veio lavrada desde os negreiros.
sábado, 15 de fevereiro de 2020
Tempestades
tempestades da vida.
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020
É carnaval
Quem sou eu?
Quem sou eu?
Quem sou eu? que importa quem?
Sou um trovador proscrito,
Que trago na fronte escrito
Esta palavra — Ninguém! —
(A. E. Zalvar — Dores e Flores)
Amo o pobre, deixo o rico,
Vivo como o Tico-tico;
Não me envolvo em torvelinho,
Vivo só no meu cantinho:
Da grandeza sempre longe,
Como vive o pobre monge.
Tenho mui poucos amigos,
Porém bons, que são antigos,
Fujo sempre à hipocrisia,
À sandice, à fidalguia;
Das manadas de Barões?
Anjo Bento, antes trovões.
Faço versos, não sou vate,
Digo muito disparate,
Mas só rendo obediência
À virtude, à inteligência:
Eis aqui o Getulino
Que no pletro anda mofino.
Sei que é louco e que é pateta
Quem se mete a ser poeta;
Que no século das luzes,
Os birbantes mais lapuzes,
Compram negros e comendas,
Têm brasões, não — das Kalendas,
E, com tretas e com furtos
Vão subindo a passos curtos;
Fazem grossa pepineira,
Só pela arte do Vieira,
E com jeito e proteções,
Galgam altas posições!
Mas eu sempre vigiando
Nessa súcia vou malhando
De tratantes, bem ou mal
Com semblante festival.
Dou de rijo no pedante
De pílulas fabricante,
Que blasona arte divina,
Com sulfatos de quinina,
Trabusanas, xaropadas,
E mil outras patacoadas,
Que, sem pinga de rubor,
Diz a todos, que é DOUTOR!
Não tolero o magistrado,
Que do brio descuidado,
Vende a lei, trai a justiça
— Faz a todos injustiça —
Com rigor deprime o pobre
Presta abrigo ao rico, ao nobre,
E só acha horrendo crime
No mendigo, que deprime.
- Neste dou com dupla força,
Té que a manha perca ou torça.
Fujo às léguas do lojista,
Do beato e do sacrista —
Crocodilos disfarçados,
Que se fazem muito honrados,
Mas que, tendo ocasião,
São mais feroz que o Leão.
Fujo ao cego lisonjeiro,
Que, qual ramo de salgueiro,
Maleável, sem firmeza,
Vive à lei da natureza;
Que, conforme sopra o vento,
Dá mil voltas num momento.
O que sou, e como penso,
Aqui vai com todo o senso,
Posto que já veja irados
Muitos lorpas enfunados,
Vomitando maldições,
Contra as minhas reflexões.
Eu bem sei que sou qual Grilo,
De maçante e mau estilo;
E que os homens poderosos
Desta arenga receiosos
Hão de chamar-me Tarelo,
Bode, negro, Mongibelo;
Porém eu que não me abalo,
Vou tangendo o meu badalo
Com repique impertinente,
Pondo a trote muita gente.
Se negro sou, ou sou bode
Pouco importa. O que isto pode?
Bodes há de toda a casta,
Pois que a espécie é muito vasta.
Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos todos francos,
Uns plebeus, e outros nobres,
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios, importantes,
E também alguns tratantes...
Aqui, nesta boa terra
Marram todos, tudo berra;
Nobres Condes e Duquesas,
Ricas Damas e Marquesas,
Deputados, senadores,
Gentis-homens, veadores;
Belas Damas emproadas,
De nobreza empantufadas;
Repimpados principotes,
Orgulhosos fidalgotes,
Frades, Bispos, Cardeais,
Fanfarrões imperiais,
Gentes pobres, nobres gentes
Em todos há meus parentes.
Entre a brava militança
Fulge e brilha alta bodança;
Guardas, Cabos, Furriéis,
Brigadeiros, Coronéis,
Destemidos Marechais,
Rutilantes Generais,
Capitães de mar-e-guerra,
— Tudo marra, tudo berra —
Na suprema eternidade,
Onde habita a Divindade,
Bodes há santificados,
Que por nós são adorados.
Entre o coro dos Anjinhos
Também há muitos bodinhos. —
O amante de Syiringa
Tinha pêlo e má catinga;
O deus Mendes, pelas contas,
Na cabeça tinha pontas;
Jove quando foi menino,
Chupitou leite caprino;
E, segundo o antigo mito,
Também Fauno foi cabrito.
Nos domínios de Plutão,
Guarda um bode o Alcorão;
Nos lundus e nas modinhas
São cantadas as bodinhas:
Pois se todos têm rabicho,
Para que tanto capricho?
Haja paz, haja alegria,
Folgue e brinque a bodaria;
Cesse pois a matinada,
Porque tudo é bodarrada!
(SILVA, Júlio Romão da. Luiz Gama e suas poesias satíricas. 2 ed. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL, 1981. p.177-181.)
sábado, 8 de fevereiro de 2020
Ficção e metafísica
terça-feira, 7 de janeiro de 2020
Onde está Deus, mesmo que não exista?
Onde está Deus, mesmo que não exista? Quero rezar e chorar, arrepender-me de crimes que não cometi, gozar ser perdoado como uma carícia não propriamente materna.
Um regaço para chorar, mas um regaço enorme, sem forma, espaçoso como uma noite de Verão, e contudo próximo, quente, feminino, ao pé de uma lareira qualquer... Poder ali chorar coisas impensáveis, falências que nem sei quais são, ternuras de coisas inexistentes, e grandes dúvidas arrepiadas de não sei que futuro...
Uma infância nova, uma ama velha outra vez, e um leito pequeno onde acabe por dormir, entre contos que embalam, mal ouvidos, com uma atenção que se torna morna, os perigos que penetravam em jovens cabelos louros como o trigo... E tudo isto muito grande, muito eterno, definitivo para sempre, da estatura única de Deus, lá no fundo triste e sonolento da realidade última das coisas...
Um colo ou um berço ou um braço quente em torno ao meu pescoço... Uma voz que canta baixo e parece querer fazer-me chorar... O ruído de lume na lareira... Um calor no Inverno... Um extravio morno da minha consciência... E depois sem som, um sonho calmo num espaço enorme, como a lua rodando entre estrelas...
Quando ponho de parte os meus artifícios e arrumo a um canto, com um cuidado cheio de carinho — com vontade de lhes dar beijos — os meus brinquedos, as palavras, as imagens, as frases — fico tão pequeno e inofensivo, tão só num quarto tão grande e tão triste, tão profundamente triste! ...
Afinal eu quem sou, quando não brinco? Um pobre órfão abandonado nas ruas das sensações, tiritando de frio às esquinas da Realidade, tendo que dormir nos degraus da Tristeza e comer o pão dado da Fantasia. De um pai sei o nome; disseram -me que se chamava Deus, mas o nome não me dá ideia de nada. Às vezes, na noite, quando me sinto só, chamo por ele e choro, e faço-me uma ideia dele a quem possa amar... Mas depois penso que o não conheço, que talvez ele não seja assim, que talvez não seja nunca esse o pai da minha alma...
Quando acabará isto tudo, estas ruas onde arrasto a minha miséria, e estes degraus onde encolho o meu frio e sinto as mãos da noite por entre os meus farrapos? Se um dia Deus me viesse buscar e me levasse para sua casa e me desse calor e afeição... Às vezes penso isto e choro com alegria a pensar que o posso pensar... Mas o vento arrasta-se pela rua fora e as folhas caem no passeio... Ergo os olhos e vejo as estrelas que não têm sentido nenhum... E de tudo isto fico apenas eu, uma pobre criança abandonada, que nenhum Amor quis para seu filho adoptivo, nem nenhuma Amizade para seu companheiro de brinquedos.
Tenho frio de mais. Estou tão cansado no meu abandono. Vai buscar, O Vento, a minha Mãe. Leva-me na Noite para a casa que não conheci... Torna a dar-me ó Silêncio imenso, a minha ama e o meu berço e a minha canção com que dormia...
Livro do Desassossego por Bernardo Soares