São seis horas da manhã e o
despertador acorda o homem. Esse abre os olhos para a claridade da manha. Levanta-se
preguiçosamente e toma banho. Ao sentir a água cair sobre seu corpo, percebe
que há algo diferente nesse novo dia.O homem se veste, toma seu rápido café e
sai para o trabalho.
Ao chegar à rua, caminhando para
o ponto de ônibus, tenta descobrir o que está diferente nesse dia. Olha as
pessoas ao seu redor e parecem todas normais. Lá vai o seu vizinho do 302 para
a faculdade com os livros nas mãos tagalerando com uma moça, que parecia
ansiosa para fugir dele. Do outro lado
da rua ele vê a senhora do 702, séria e
compenetrada em seus pensamentos e se lembra dos boatos de que ela estaria
traindo o seu marido. Mas o que ele tem a ver com a vida dela, se questiona.
Tudo a sua volta parecia seguir o ritual diário, até mesmo o cachorro latindo
ao longe era o de sempre. Mas ele sabia que havia algo novo nesse dia.
No ônibus a sensação de
estranhamento o acompanhou. Chegou no escritório, bateu cartão, cumprimentou os
colegas, sentou em sua mesa e ficou um bom tempo a observar o ambiente em que
passava a maior parte do tempo de sua vida. De repente, aquele sentimento que
havia algo diferente acontecendo o dominou completamente, e ele percebe que não
conseguia ver sentido algum em nada do que ele estava fazendo e sempre havia
feito. Tudo gerava um cansaço e a percepção de
inutilidade da vida. Porque gastar tanto tempo e energia em ações sem
sentido? Por que passar os poucos anos
de sua existência envolvido em coisas
que não traziam significado para sua vida?
Levantar todo dia cedo e realizar
o mesmo ritual vazio, de simplesmente se manter dentro da estrutura do
sistema, de sobreviver...
“Vai ficar no mundo das nuvens
até quando?” O homem assusta e percebe que é o seu chefe que lhe fala. “Não
pagamos você para ficar pensando. Seu trabalho aqui é produzir, portanto, acorde
e comece a trabalhar”. Produção...
O homem olha o chefe sem entender
direito o que ele lhe diz. Pior. Não sabe se consegue lhe explicar o que se
passa em sua mente. Então ele era uma
peça na engrenagem de produção? Apenas
uma pequena parte de manutenção do Grande Sistema. Não era um ser, era uma
coisa.
Nesse momento, ele começa a
compreender que a sensação diferente que ele estava sentindo desde a manhã era
o desejo de ser humano em um mundo coisificante. Olha os papéis sobre a mesa e
mira os olhos de seu superior hierárquico na empresa e decide buscar a libertação
de seu estado desumanizador.
Levanta-se e diz ao chefe que vai
embora. O chefe, assustado, pega no ombro do homem, como se tivesse tentando
trazê-lo de volta à realidade. “O que você está dizendo? Como ir embora? Enlouqueceu
de vez?”. “Não estou louco”, diz o homem. “Simplesmente desejo a vida”. Queria explicar para aquela criatura
estupefata à sua frente que entendia o seu susto diante de sua decisão. Ele
estava abrindo mão de um bom emprego e de um salário razoável, da segurança e
da perspectiva de uma carreira. Simplesmente respondeu: “Procurarei o sentido
da vida”.
Ao chegar à rua, o homem respira
fundo e olha à sua volta. Estava livre. Agora ele podia viver o que quisesse
escolher, ir para onde desejasse, construir a história de seu jeito. Olhou o céu, estava nublado. Havia chovido à
pouco tempo. Caminha pelas calçadas da grande cidade. Um carro passa e se
desvia de um cachorro que se aventurou pela rua. Ao se desviar do animal o motorista
perde o controle e o veículo se choca no homem, jogando-o sobre um muro. O
homem tem apenas uns segundos para tornar a olhar o céu e ver o sol se
esforçando para sair entre as nuvens. Respirou pela última vez pensando que se
até o astro rei era impedido de mostrar seu brilho, às vezes, a vida não o
aceitava livre e autônomo.
Márcio Ramos