quinta-feira, 28 de junho de 2018

Soneto 31

Teu peito contém todos os corações,
Que eu, por não os ter, supus mortos;
E onde reina o amor, e tudo o que o amor mais ama,
E todos os amigos que pensei jazidos.

Quantas lágrimas santas e obsequiosas
Roubaram o amor sagrado de meus olhos,
Como maldição dos mortos, que agora ressurge
Entre coisas invisíveis que em ti se ocultam!

Tu és a tumba onde o amor enterrado vive,
Preso aos trunfos dos amores que partiram,
Que entregaram a ti tudo que pertence a mim;

E, por isso, tudo agora é apenas teu:
Tudo que neles amei, eu vejo em ti,E tu (todos eles) me tens em tudo o que sou.

Soneto 29

Quando em desgraça, sem sorte e afastado
Dos homens, sozinho, em meu exílio,
Perturbo os Céus surdos, a gritar sem sossego,
E olho para mim, e amaldiçoo meu destino,

Sonhando ser mais afortunado,
Como homem de muitos amigos,
Cobiçando seus talentos e visão,
E aquilo que mais aprecio sinto menos satisfeito;

Mesmo, nesses pensamentos, quase me desprezando,
Feliz, penso em ti – depois em meus bens
(Como a cotovia elevando-se ao romper do dia

Das entranhas da terra), em hinos a louvar o céu;
Pois, lembrar de teu doce amor traz tanta riqueza,
Que desdenho trocar meu dote com reis.

William Shakespeare

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Soneto 26

Senhor do meu amor, de quem, em vassalagem,
Uniu firme o teu mérito ao meu dever,
A ti envio este pedido por escrito,
Em testemunho do dever, não do meu talento;

Dever tão grande, cujo talento tão pobre quanto o meu
Parece destituído de palavras para expressá-lo,
Mas que espero que o teu bom conceito
Em teu âmago, todo despido, lhe trará;

Até que uma estrela que guie o meu gesto
Aponte-me graciosamente com a sua beleza,
E vista o meu amor maltrapilho,

Para mostrar-me merecedor de teu doce respeito.
Então, que eu ouse me gabar do amor que sinto;
Até lá, me guardarei para que não me desafies.


William Shakespeare

Soneto 25

Deixa aqueles cuja sorte brilha nas estrelas
Gabarem-se das públicas e nobres honrarias,
Enquanto eu, impedido de tal fortuna,
Não procurei a alegria naquilo que mais prezava.

Dos príncipes os diletos espalham belas flores,
Mas como o mal-me-quer sob o sol,
E em si mesmos jaz enterrado seu orgulho,
Cuja glória fenece sob o mero olhar.

O esforçado guerreiro, notável por suas batalhas,
Após mil vitórias, ao perder uma delas,
Tem seu nome riscado do livro de honrarias,

E vê esquecido tudo por que lutou.
Feliz sou eu, que amo e sou amado,
De onde não me movo nem sou movido

William Shakespeare

Soneto 18

Como hei de comparar-te a um dia de verão? 
És muito mais amável e mais amena: 
Os ventos sopram os doces botões de maio, 
E o verão finda antes que possamos começá-lo:


Por vezes, o sol lança seus cálidos raios, 
Ou esconde o rosto dourado sob a névoa; 
E tudo que é belo um dia acaba, 
Seja pelo acaso ou por sua natureza;


Mas teu eterno verão jamais se extingue, 
Nem perde o frescor que só tu possuis; 
Nem a Morte virá arrastar-te sob a sombra,

Quando os versos te elevarem à eternidade: Enquanto a humanidade puder respirar e ver, Viverá meu canto, e ele te fará viver.

William Shakespeare

.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Soneto 1

Dentre os mais belos seres que desejamos enaltecer, 
Jamais venha a rosa da beleza a fenecer, 
Porém mais madura com o tempo desfaleça, 
Seu suave herdeiro ostentará a sua lembrança;


Mas tu, contrito aos teus olhos claros, 
Alimenta a chama de tua luz com teu próprio alento, 
Atraindo a fome onde grassa a abundância; 
Tu, teu próprio inimigo, és cruel demais para contigo.


Tu, que hoje és o esplendor do mundo, 
Que em galhardia anuncia a primavera, 
Em teu botão enterraste a tua alegria,


E, caro bugre, assim te desperdiças rindo. 
Tem dó do mundo, ou sê seu glutão – 
Devora o que cabe a ele, junto a ti e à tua tumba.

William Shakespeare

Soneto 2

Passados quarenta invernos sobre tua fronte,
Após cavarem fundos sulcos nos vergéis de tua beleza,
O vigor de tua orgulhosa juventude, hoje tão admirada,
Será um esmaecido ramo sem nenhum valor.

Então, ao te perguntarem onde está teu encanto,
Onde está a riqueza de teus luxuriosos dias,
Respondes, com olhos fundos,
Que não passaram de vergonha e descabidos elogios.

Que louvores mereciam o uso de teus dotes,
Se pudesses responder: “Este belo filho meu
Me vingará, e justificará todos os meus atos”,

E provará ter herdado de ti toda a formosura.
Isto farás de novo quando fores mais velho,
E o sangue te aquecer quando te sentires frio.

William Shakespeare. Soneto 2

sexta-feira, 15 de junho de 2018

10 estratégias de manipulação da mídia – Noam Chomsky

As grandes estratégias da manipulação midiáta por Noam Chomsky


1 – A Estratégia da Distração.


O elemento primordial do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças que são decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante a técnica do dilúvio ou inundação de contínuas distrações e de informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente indispensável para impedir o público de interessar-se pelos conhecimentos essenciais na área da ciência, economia, psicologia, neurobiologia ou cibernética. “Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por temas sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar; de volta à granja como os outros animais” (citação do texto ‘Armas Silenciosas para Guerras Tranquilas’).


2 – Criar problemas e depois oferecer soluções.


Este método também se denomina “Problema-Reação-Solução”. Cria-se um problema, uma “situação” prevista para causar certa reação no público, a fim de que seja este quem exija medidas que se deseja fazer com que aceitem. Por exemplo: deixar que se desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar atentados sangrentos, a fim de que o público seja quem demande leis de segurança e políticas de cerceamento da liberdade. Ou também: criar uma crise econômica para fazer com que aceitem como males necessários o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.


3 – A Estratégia da Gradualidade.


Para fazer com que se aceite uma medida inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, com conta-gotas, por anos consecutivos. Dessa maneira as condições sócio-econômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980 e 1990. Estado mínimo, privatizações, precariedade, flexibilidade, desemprego massivo, salários que já não asseguram rendas decentes, tantas mudanças que provocariam uma revolução se fossem aplicadas de uma vez só.

4 – A Estratégia de Diferir.


Outra maneira de fazer com que se aceite uma decisão impopular é a de apresentá-la como “dolorosa e necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro porque o esforço não é empregado imediatamente. Logo, porque o público, a massa, tem sempre a tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar amanhã” e que o sacrifício exigido poderá ser evitado. Isto dá mais tempo ao público para se acostumar com a idéia da mudança e aceitá-la com resignação quando chegar o momento.


5 – Dirigir-se ao público como a criaturas de pouca idade.


A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e entonação particularmente infantis, muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse uma criatura de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto mais se pretende enganar o espectador, mais se tende a adotar um tom infantilizante. Por que? “Se alguém se dirige a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, então, em razão da sugestão, ela tenderá, com certa probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico como a de uma pessoa de 12 anos ou menos (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.


6 – Utilizar o aspecto emocional muito mais que a reflexão.


Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto-curcuito na análise racional, e, finalmente, no sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores, compulsões, ou induzir comportamentos.

7 – Manter o público na ignorância e na mediocridade.


Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da ignorância planejada entre as classes inferiores e as classes sociais superiores seja e permaneça impossível de ser alcançada para as classes inferiores (ver ‘Armas silenciosas para guerras tranqüilas’)”.


8 – Estimular o público a ser complacente com a mediocridade.


Promover a crença do público de que é moda o fato de ser estúpido, vulgar e inculto.


9 – Reforçar a auto-culpabilidade.


Fazer crer ao indivíduo que somente ele é culpado por sua própria desgraça devido à insuficiência de sua inteligência, de suas capacidades, ou de seus esforços. Assim, em vez de se rebelar contra o sistema econômico, o indivíduo se menospreza e se culpa, o que gera um estado depressivo, cujo um dos efeitos é a inibição da ação do indivíduo. E sem ação não há revolução!


10 – Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se conhecem.


No decurso dos últimos 50 anos, os avanços acelerados da ciência geraram uma crescente brecha entre os conhecimentos do público e aqueles que possuem e utilizam as elites dominantes. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o “sistema” desfrutou de um conhecimento avançado do ser humano, tanto de forma física como psicológica. O sistema conseguiu conhecer melhor o indivíduo comum do que este conhece a si mesmo. Isto significa que, na maioria dos casos, o sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os indivíduos, maior que o dos indivíduos sobre si mesmos.


Noam Chomsky. filósofo, ativista, autor e analista político estadunidense. É professor emérito de Linguística no MIT e uma das figuras mais destacadas desta ciência no século XX. Reconhecido na comunidade científica e acadêmica por seus importantes trabalhos em teoria lingüística e ciência cognitiva.


domingo, 10 de junho de 2018

Crônica escolar

A discussão na reunião de professores corria animada, todos querendo opinar sobre o melhor meio de despertar o interesse dos alunos pela literatura. Como provocar nos alunos o encanto e o deslumbramento pelo fascinante mundo da leitura era a pauta do dia .

Após se decidir sobre  os projetos que envolveriam os alunos, o coordenador sugere, entusiasmado, que os professores participem da onda literária fazendo um Café Literário, aonde seria recitado ou lido algum texto que o professor considerasse interessante para o grupo.

O professor que até então estava apático, ficou empolgado. Pouca coisa despertava seu real interesse nessas discussões pedagógicas, mas a literatura era sua grande paixão. Ao ouvir a proposta do Café Literário já vislumbrou momentos enriquecedores de troca de impressões literárias e da descoberta de novas e interessantes leituras, quem sabe um clássico que ele desconhecia ou um escritor contemporâneo em destaque.

Até que alguém se levanta e pergunta se podia ler trechos da Bíblia.

O homem se entristeceu. Sabia que seu vício literário também podia ser visto como uma fuga da realidade como a que todos ali buscavam em suas experiências cotidianas e místicas. Entretanto, ele  considerava que sua experiência era esteticamente mais rica e profunda, já que dialogava com a experiência criativa humana das palavras. Mas porque esse seu gosto seria melhor que o das outras pessoas daquela sala?

O homem tentou fazer uma defesa de se priorizar de fato a literatura nesse momento literário, mas foi voto vencido. Ele se recolheu novamente ao seu mundo, se sentindo novamente só e diferente,  se percebendo cada vez mais solitário em seus interesses. Concluiu que não havia nada a ser feito. Cada um oferece o que tem, e a maioria ali só podia oferecer sua dose diária de leitura religiosa ou de autoajuda.

Ele tentava se apegar a essa análise da tolerância e do respeito às diferenças, mas não conseguia deixar de pensar o quão pobre é uma sociedade em que seus mestres pedagogos não conhecem outra leitura senão a voltada para a prática devocional. O homem não conseguia compreender como aquele grupo de professores poderiam contribuir para a formação de leitores, se eles mesmos não liam.

A tristeza diminuiu quando ele se lembrou de um dos seus poetas preferidos, Baudelaire. Viu um alívio em seu texto.  "Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se. Embriaguem-se sem descanso. Com vinho, poesia ou virtude… A escolher. ". Como o homem não era virtuoso, pegou um vinho e um livro poético e foi se embriagar.

Márcio Ramos

terça-feira, 5 de junho de 2018

Diz-me a Verdade acerca do Amor



Há quem diga que o amor é um rapazinho, 
            E quem diga que ele é um pássaro; 
Há quem diga que faz o mundo girar, 
            E quem diga que é um absurdo, 
E quando perguntei ao meu vizinho, 
            Que tinha ar de quem sabia, 
A sua mulher zangou-se mesmo muito,
            E disse que isso não servia para nada. 

      Será parecido com uns pijamas, 
         Ou com o presunto num hotel de abstinência? 
      O seu odor faz lembrar o dos lamas,
         Ou tem um cheiro agradável? 
      É áspero ao tacto como uma sebe espinhosa 
         Ou é fofo como um edredão de penas? 
      É cortante ou muito polido nos seus bordos? 
         Ah, diz-me a verdade acerca do amor. 

Os nossos livros de história fazem-lhe referências 
          Em curtas notas crípticas, 
É um assunto de conversa muito vulgar 
          Nos transatlânticos; 
Descobri que o assunto era mencionado 
          Em relatos de suicidas, 
E até o vi escrevinhado 
          Nas costas dos guias ferroviários.

      Uiva como um cão de Alsácia esfomeado, 
         Ou ribomba como uma banda militar? 
      Poderá alguém fazer uma imitação perfeita 
         Com um serrote ou um Steinway de concerto? 
      O seu canto é estrondoso nas festas? 
         Ou gosta apenas de música clássica? 
      Interrompe-se quando queremos estar sossegados? 
         Ah! diz-me a verdade acerca do amor. 

Espreitei a casa de verão, 
             E não estava lá, 
Tentei o Tamisa em Maidenhead 
             E o ar tonificante de Brighton, 
Não sei o que cantava o melro, 
             Ou o que a tulipa dizia; 
Mas não estava na capoeira, 
             Nem debaixo da cama. 

      Fará esgares extraordinários? 
         Enjoa sempre num baloiço? 
      Passa todo o seu tempo nas corridas? 
         Ou a tocar violino em pedaços de cordel? 
      Tem ideias próprias sobre o dinheiro? 
         Pensa ser o patriotismo suficiente? 
    As suas histórias são vulgares mas divertidas? 
       Ah, diz-me a verdade acerca do amor. 

    Chega sem avisar no instante 
       Em que meto o dedo no nariz? 
    Virá bater-me à porta de manhã, 
       Ou pisar-me os pés no autocarro? 
    Virá como uma súbita mudança de tempo? 
       O seu acolhimento será rude ou delicado? 
    Virá alterar toda a minha vida? 
       Ah, diz-me a verdade acerca do amor. 

W. H. Auden, in 'Diz-me a Verdade acerca do Amor' 


Ah, o que é aquele Barulho

Ah, o que é aquele barulho

Ah, o que é aquele barulho que vibra no ouvidos

Lá em baixo no vale, a rufar, a rufar?

São apenas os soldados escarlates, amor,

Os soldados que chegam.

Ah, o que é aquela luz que vejo tão cintilante e intensa

Lá ao longe, brilhante, brilhante?

Apenas o sol incidindo nas armas, amor,

Enquanto avançam ligeiros.

Ah, que estão eles a fazer com todo aquele equipamento,

Que estão eles a fazer esta manhã, esta manhã?

Somente as manobras habituais, amor,

Ou talvez seja um aviso.

Ah, por que terão abandonado a estrada ali em baixo,

Por que andam de repente às voltas, às voltas?

Talvez tenham recebido ordens diferentes, amor.

Por que estás de joelhos?

Ah, não pararam para o médico cuidar deles,

Não detiveram os cavalos, os cavalos?

Claro, ninguém está ferido, amor,

Nenhum destes soldados.

Ah, é o padre de cabelo branco que eles querem,

O padre, não é, não é?

Não, estão a passar ao seu portão, amor,

Sem o irem visitar.

Ah, será o lavrador que vive tão perto.

Será o lavrador tão astuto, tão astuto?

Já passaram a entrada da quinta, amor,

E agora vão a correr.

Ah, onde vais? Fica aqui comigo!

Os teus juramentos foram uma ilusão, uma ilusão?

Não, eu prometi amar-te, amor,

Mas agora tenho de partir.

Ah, está quebrada a fechadura e estilhaçada a porta,

Ah, é ao portão que eles chegam, chegam;

As suas botas ressoam pesadas no soalho

E os seus olhos são ardentes.

W. H. Auden

domingo, 3 de junho de 2018

Dignidade da pessoa humana

Uma forma de entender o que aconteceu com a palavra "dignidade" é  dizer que ela passou a se referir ao direito ao respeito que as pessoas possuem simplesmente em virtude de sua humanidade. Eis aqui alguns fatos sobre as pessoas a que damos o devido peso ao reconhecer a dignidade humana: que os homens têm a capacidade de criar vidas com significação; que podemos sofrer, amar, criar; que precisamos de alimento, abrigo e reconhecimento alheio. Esses fatos, que podemos chamar de fundamentos da dignidade, tornam apropriado responder às pessoas de maneira que respeitem essas necessidades e capacidades humanas fundamentais.

Kwame Anthony Appiah. "O código de honra: como ocorrem as revoluções morais."