sábado, 19 de abril de 2014
CARTA À MINHA FILHA: NÃO DEIXE QUE A ESCOLA TE ENSINE
Renato Carvalho
Clarice
querida,
Omundo
está mudando rápido. Bem mais rápido que as nossas escolas. Há tantas delas que
ainda não perceberam que este mundo internético em que hoje vivemos é
radicalmente diferente do mundo desconectado de algumas poucas décadas atrás e
que nossa Educação agora pode e precisa ser muito melhor.
Grandes
ideias não faltam: escolas na nuvem na Índia, aulas sem turmas nem professores em Portugal, salas-de-aula invertidas nos Estados Unidos, brinquedos que ensinam crianças a
programar computadores na Inglaterra, milhares de pessoas do mundo todo fazendo juntas cursos de nível
superior! Mas é preciso querer ver a necessidade de mudar, e isso
demora. Por mais que eu esteja otimista, não acho que os anos que te restam na
escola sejam tempo suficiente para essa onda de renovação se espalhar pelo
Brasil e chegar à tua sala-de-aula.
Vai ser por pouco… Você é parte da última geração de alunos da escola do passado. Ou seja, alunos de um modelo de educação igualzinho ao que eu tive, e que também foi o mesmo dos teus avós, teus bisavós, teus trisavós…
Mas se não dá para evitar que as manhãs da tua infância
sejam gastas em aulas chatas e desestimulantes, você pode pelo menos ficar
alerta aos defeitos desse modelo. Assim, enquanto você aproveita o que a escola
pode te oferecer de bom, vai conseguir impedir que ela te ensine algumas coisas
que a mim custaram muitos anos para desaprender.
Não deixe que a escola te ensine que conhecimentos podem ser compartimentados, separados em caixinhas, isolados uns dos outros.
Na escola do passado, a matemática acaba quando começa a
física e a geografia acaba quando começa a história. No mundo, há biologia no
esporte, matemática na música, história na literatura, gramática na programação
de computadores… Por isso, depois de ver algo de perto, dê sempre um passo para
trás, perceba as relações, enxergue o todo.
Não deixe que a escola te ensine que alguns conhecimentos são mais importantes que outros.
Na escola do passado, para cada aula de artes há duas de
geografia e para cada uma de geografia há duas de matemática. Música, artes
plásticas, esportes, religião, filosofia são tratados como matérias de “segundo
time”. Quantos grandes artistas e esportistas foram vistos como maus alunos e
forçados a abandonar seus talentos porque o conhecimento que lhes interessava
não era o mesmo que interessava à escola! Persiga teus interesses mesmo que
eles não interessem a mais ninguém.
Não deixe que a escola te ensine que há um momento específico para aprender cada coisa.
Na escola do passado, quem não consegue acompanhar a
turma é tido como um fracassado e quem quer avançar mais rápido é freado,
impedido. Ela exige que todos aprendam o mesmo ao mesmo tempo. Mas as pessoas
não são todas iguais. Você pode ter mais facilidade que os colegas em um
determinado assunto e menos em outro. Não deixe que te empurrem nem que te
segurem. Respeite teu próprio ritmo de aprendizado.
Não deixe que a escola te ensine a decorar.
Ao
contrário, esqueça tudo que puder. O homem dominou o planeta porque foi capaz
de fabricar ferramentas que estenderam os limites das nossas mãos e pés. Agora,
fomos ainda mais além e fabricamos ferramentas que estendem os limites do nosso
cérebro. Não precisamos mais desperdiça-lo usando-o como um depósito de nomes,
datas e fórmulas; hoje podemos aproveitar todo o potencial dele para analisar,
criticar e refletir o mundo de informações que podemos acessar com um clique. A
Internet é o teu HD, o cérebro é o teu processador.
Não deixe que a escola te ensine a te contentar com pouco.
Na escola do passado, as consequências de tirar nota 10
ou nota 7 são as mesmas. O aluno excelente passa de ano da mesma forma que o
mediano, com, no máximo, um elogio da professora. Assim, aos poucos os alunos
vão ficando satisfeitos em “passar por média”. Nunca fique contente com a
média. Dê teu melhor sempre, em tudo o que fizer (inclusive nesses poucos anos
que ainda te restam na escola do passado). No mundo, ao contrário da escola, a
excelência faz muita diferença.
Não deixe que a escola te ensine a acreditar que ela é suficiente.
A escola do passado lamentavelmente abdicou da missão de
preparar os alunos para o futuro e se limita a tentar prepará-los para o
vestibular ou o ENEM. Mas a tua vida produtiva começa exatamente depois desse
ponto e para ser bem sucedida nela você precisará de muito mais do que
ciências, matemática, português, história e geografia. O futuro vai exigir que
você tenha uma boa noção dos teus direitos e deveres para cumprir teu papel de
cidadã, conheça um pouco de economia para saber gerenciar teu dinheiro, aprenda
sobre empreendedorismo para fazer tuas ideias virarem realidade, tenha
consciência global para compreender teu lugar no mundo, domine a Internet
enquanto ferramenta de comunicação e muito mais. Há muitos conhecimentos que
não estão na escola. Procure-os onde estiverem.
Não deixe que a escola te ensine que provas são capazes de medir a tua capacidade e inteligência.
A história está repleta de gênios que foram tidos como
maus alunos. Eles eram considerados incapazes nas suas escolas porque estavam à
frente delas e, portanto, não podiam ser medidos pelos seus testes. As provas
da escola do passado servem para provar quem está mais adequado ao mundo do
passado.
Não deixe que a escola te ensine que você não tem nada a ensinar.
Na escola do passado os alunos são separados em séries de
acordo com suas faixas etárias e isso praticamente impede a interação entre
idades diferentes. Colegas um pouco mais velhos têm muito a te ensinar e, o que
é ainda mais importante, os mais novos têm muito a aprender contigo. E ensinar
é a forma mais eficiente de aprender. Quando um professor detém o monopólio do
ensino, ele te rouba inúmeras oportunidades de aprender ensinando e ensinar
aprendendo.
Não deixe que a escola te ensine que errar é ruim.
Provas fazem isso o tempo todo, sem que os alunos
percebam. Do jeito que são feitas, elas servem apenas para apontar e punir
nossos erros e desperdiçam a oportunidade de nos ajudar a aprender com eles. O
resultado é que aos poucos vamos nos acostumando a não arriscar e a evitar
erros a todo custo. Não há nada pior para o aprendizado do que o medo de errar.
Erre! Erre de novo! Erre à vontade. Erre quantas vezes forem necessárias até
acertar.
Não deixe que a escola te ensine a ser apenas consumidora de ideias.
A escola do passado se limita a ruminar as ideias dos
outros. Diariamente, aula após aula, os alunos mastigam, engolem e digerem um enorme
cardápio de informações. Não há nenhum espaço para que eles gerem conhecimento,
produzam pensamentos, criem ideias, somem. Os alunos são tratados como se
fossem incapazes disso e logo se convencem dessa incapacidade. O mundo do
futuro é o mundo da troca. Nele, os bem sucedidos não serão os que forem
capazes de acumular mais ideias, mas os que forem capazes de distribuir mais.
Escreva, desenhe, cante, dance, filme, blogue, fotografe, pinte e borde. Crie,
produza, pense, gere, compartilhe.
E o mais importante de tudo, minha filha: não deixe que a escola te ensine que aprender é a mesma coisa que ser ensinado.
Toda criança nasce uma esponjinha de conhecimento ávida
para absorver os comos e os porquês de tudo que vê. Essa curiosidade sem
fim, essa fome de aprender costuma durar até o exato momento em que ela passa
pela porta da sala de aula da primeira série da escola do passado. É nesse
momento que as crianças são convencidas que aprender não é experimentar, sentir
e sujar as mãos de terra ou tinta, como faziam até agora, mas sim sentar
silenciosamente em cadeiras alinhadas e ser ensinado por um professor que é o
dono de todo o saber e que decide sozinho a hora de começar e de parar de
estudar cada assunto. O aprendizado não vem mais da interação da própria
criança com o objeto que ela está conhecendo. Agora, ele é “transferido”. A
criança não faz mais perguntas, ouve respostas. A busca do conhecimento não
começa mais nas interrogações dos alunos, mas nas afirmações do professor; o
estudo não mais se inicia na curiosidade, mas na autoridade. A criança não está
mais no comando do seu aprendizado, ela não é mais um sujeito ativo no ato de
aprender, é um sujeito passivo do ato de ensinar do professor. Em resumo, a
criança não mais aprende, é ensinada. Não abra mão da direção da tua vida.
Viver é aprender e você tem autonomia (ou seja, a liberdade e a
responsabilidade) para decidir o que aprender e, portanto, como viver. Não a
ceda a ninguém.
Se você conseguir impedir a escola de te ensinar essas
coisas, vai acabar descobrindo que vida escolar é diferente de vida de
aprendizado. E então, terá a vida inteira para desfrutar dessa incrível Era do
Conhecimento que está apenas começando.
Te amo.
Teu pai
Fonte: http://rescola.com.br/carta-a-minha-filha-nao-deixe-que-a-escola-te-ensine/
quarta-feira, 16 de abril de 2014
O lobo das estepes
"— Sim, há homens em demasia na terra. Antes a gente não se dava conta disso. Mas agora, quando as pessoas já não se contentam em respirar e querem também ter um automóvel, a coisa se nota mais" - O Lobo das Estepes de Hermann Hesse.
domingo, 13 de abril de 2014
O Lobo das Estepes
". Era meu destino continuar aspirando pela coroa da vida na expiação de seus infinitos pecados. Uma vida fácil, um amor fácil, uma morte fácil - tais coisas não eram para mim." - O Lobo das Estepes de Hermann Hesse.
sábado, 5 de abril de 2014
Se eu fosse eu
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.
Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido.
No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando, porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais"Clarice Lispector
Assinar:
Postagens (Atom)