terça-feira, 21 de junho de 2016

Bendito seja o mesmo sol de outras terras

Bendito seja o mesmo sol de outras terras

Que faz meus irmãos todos os homens

Porque todos os homens, um momento no dia, o olham como eu,

E nesse puro momento

Todo limpo e sensível

Regressam lacrimosamente

E com um suspiro que mal sentem

Ao Homem verdadeiro e primitivo

Que via o Sol nascer e ainda o não adorava.

Porque isso é natural — mais natural

Que adorar o ouro e Deus

E a arte e a moral...

Alberto Caeiro

domingo, 19 de junho de 2016

Por causa deles...

- Se houvesse alguma possibilidade de trocar esta vida mesmo que fosse pela vida mais vulgar e miserável que existe, mas sem o perigo e sem o serviço militar, eu não hesitaria nem um minuto.

- Por que o senhor não se transfere para a Rússia? - perguntei.(...)

- É que me sinto ainda mais incapaz de voltar para a Rússia do que quando vim para cá. Outra tradição que existe na Rússia (...) é que basta vir ao Cáucaso para acumular condecorações. E todos esperam e exigem isso de nós; estou há dois anos aqui (...) e não ganhei nada. (...) na Rússia, como vou me apresentar aos olhos de meu asterote, do comerciante Koguelnikov, a quem vendo trigo,  aos olhos de minha tia moscovita e de todos aqueles senhores, sem nenhuma condecoração depois de anos no Cáucaso? É verdade que não quero ter relação com esses senhores e que , é bem possível, eles também estejam muito pouco interessados em mim; mas o ser humano é feito de tal modo que eu não quero ter relação com eles, mas mesmo assim, por causa deles, destruo meus melhores anos, toda a felicidade de minha vida e vou arruinar todo o meu futuro.

Liev Tolstoi. " A derrubada da floresta". Contos completos. Editora Cosacnaify.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Epígrafe


Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugiu como um furacão,

Turbou, partiu, abateu
Queimou sem razão nem dó -
Ah, que dor!
Magoado e só,
- Só - meu coração ardeu:

Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria...
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.

- Esta pouca cinza fria.

Manuel Bandeira
(1886-1968)