terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Grande sertão veredas. Viver é muito perigoso

Viver é muito perigoso... Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens! Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo.

João Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas.

Grande Sertão Veredas: religião


Hem? Hem? O que mais penso. testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sarar da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu Moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico. embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria, rezar - o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável. E eu! Bofe! Detesto! O que sou? - o que faço, que quero, muito curial. E em cara de todos faço, executado. Eu? - não tresmalho!

João Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas.

Grande Sertão Veredas

O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo o mundo...Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre - o senhor solte em minha frente uma idéia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!

João Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Amar é

Amar é uma proibição de estar só.

Valter Hugo Mãe. Homens imprudentemente poéticos

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A noite

"Esperaram pelo sono para se mudarem para o dia seguinte. Havia sempre esperança na travessia nocturna. Cada deus revia a criação no quieto da noite. Acender os dias era sempre a possibilidade de uma nova criação. Era importante dormir com esperança."

Homens imprudentemente poéticos. Valter Hugo Mãe.

O final da queda

Se um homem cai de um avião no meio da noite
Apenas Deus pode segurá-lo.

Deus se mostra no meio da noite
E toca o homem e atenua o seu sofrimento.
Deus não limpa dele o seu sangue
Porque o sangue não é sua alma,
Deus não satisfaz o seu corpo
Porque um homem não é de carne.

Deus inclina-se sobre ele, ergue sua cabeça e observa
Em seus olhos o homem é uma criança
Enquanto desajeitado põe-se de quatro e tenta andar
E sente então que pode voar.

O homem está ainda confuso e não sabe
Que é bem melhor flutuar do que engatinhar.
Deus tem vontade de acariciar a sua cabeça
Mas espera, porque não quer
Assustar o homem
Com sinais de amor.

Se um homem cai de um avião no meio da noite
Apenas Deus conhece o final da queda.

Dahlia Rabikovitch

domingo, 8 de janeiro de 2017

Felicidade e amizade.

quando bebeu o primeiro gole de vinho julgou que a vida, se fosse justa, poderia ser feita daquilo e de mais nada. ao inventar as coisas, quem inventara, deveria ter-se ficado por aquilo, um vinho, uma amizade sincera, o calor magnífico do fim da tarde, a paisagem mais bela de todas. era tão fácil inventar só aquilo e só com aquilo garantir com segurança que as pessoas do mundo inteiro seriam felizes.

o apocalipse dos trabalhadores, valter hugo mãe.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Morrer de amor

isso de esperar é que me dói. morrer de amor tem de ser no ato, isso, sim, é morrer de felicidade. agora morrer à espera, é do pior.

valter hugo mãe. o apocalipse dos trabalhadores.

Não me interessa o amor

não me interessa o amor, isso é coisa de gente desocupada que não tem o que fazer.
valter hugo mãe.  o apocalipse dos trabalhadores