terça-feira, 31 de julho de 2018

Obedecer é mais fácil do que entender

"O que ele explicado mandou, eu fui e principiei; que obedecer é mais fácil do que entender.Era? Não sou cão, não sou coisa. Antes isto, que sei, para se ter ódio da vida: que força a gente a ser filho-pequeno de estranhos... Ah, o que eu não entendo, isso é que é capaz de me matar... "

João Guimarães Rosa. Grande sertão veredas

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Soneto 91

A uns, o berço dá a glória, a outros, o talento,
A uns, a riqueza, a outros, a força,
A uns, as vestes, mesmo espaventosas,
A uns, suas águias e cães, a outros, seus cavalos,
E todo humor provê o seu próprio prazer,
Vendo alegria acima de tudo o mais;
Mas essas questões de nada me servem;
Supero tudo isso com um único trunfo.
Teu amor é mais que um berço de ouro,
Mais rico que a riqueza, mais caro do que roupas,
Mais prazeroso que águias e cavalos;
E tendo a ti, desdenho de todo o humano orgulho –
Apenas triste por um motivo: que possas privar-me
De tudo, tornando-me o mais infeliz.

William Shakespeare

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Os muros nossos de cada dia.

A semelhança de outros tempos, o mundo contemporâneo é modelado e condicionado profundamente por essa forma ancestral da vida cultural, jurídica e política que são a clausura, o cercamento, o muro, o campo, o cerco e, no fim das contas, a fronteira. São recuperados por todo lado processos de diferenciação, classificação e hierarquização para fins de exclusão, expulsão e erradicação. Novas vozes se erguem para proclamar que o universal humano ou não existe ou se limita ao que é comum não a todos os homens, mas apenas a alguns deles.

Achile Mbembe. Crítica da razão negra.

sábado, 7 de julho de 2018

Soneto 64

Ao ver a cruel mão do tempo apagar
Dos ricos o orgulho graças à decadência da idade;
Quando, por vezes, as altas torres são destruídas,
E o eterno escravo do metal entregue à mortal ira;
Ao ver o oceano faminto ganhar
Vantagem sobre os domínios das encostas;
E a terra firme avançar sobre o braço de água,
Equilibrando-se entre as perdas e ganhos;
Ao ver tal mudança de condição,
Ou a própria condição confundida, a decair,
Assim ensinou-me a pensar a ruína:
Que o tempo virá e levará o meu amor.
Este pensamento é mortal, sem outra escolha
Senão lamentar ter o que se teme perder.

William Shakespeare

sexta-feira, 6 de julho de 2018

O negro

Produto de um maquinário social e técnico indissociável do capitalismo, de sua emergência e globaliza
cão, esse termo(o negro) foi inventado para significar exclusão, embrutecimento e degradação, ou seja, um limite sempre conjurado e abominado. Humilhado e profundamente desonrado, o negro é, na ordem da modernidade, o único de todos os humanos cuja carne foi transformada em coisa e o espírito em mercadoria a cripta viva do capital. Porém e esta
é sua patente dualidade numa reviravolta espetacular, tornou-se o símbolo de um desejo consciente de vida, força
pujante, flutuante e plástica, plenamente engajada no ato de criação e até mesmo no ato de viver em vários tempos e várias
histórias simultaneamente. Sua capacidade de fascinação, ou mesmo de alucinação, não fez senão se multiplicar. Alguns nem sequer hesitariam em reconhecer no negro o limo da terra, o veio da vida, por meio do qual o sonho de uma humanidade reconciliada com a natureza, com a plenitude da cria
ção, voltaria a ganhar cara, voz e movimento.

Achille Mbembe