JOHN DONNE
Textos Filosóficos e Poéticos
quinta-feira, 24 de julho de 2025
por quem os sinos dobram
Nenhum homem é uma Ilha, um ser inteiro em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da terra. Se um Pequeno Torrão carregado pelo Mar deixa menor a Europa, como se todo um Promontório fosse, ou a Herdade de um amigo seu, ou até mesmo a sua própria, também a morte de um único homem me diminui, porque Eu pertenço à Humanidade. Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti.
domingo, 16 de fevereiro de 2025
Tudo é efêmero
Porque todas as coisas logo passam e se tornam um mero conto, e o esquecimento completo logo as enterra. E digo isto daqueles que brilharam de uma maneira maravilhosa. Pois o resto, assim que eles dão seu último suspiro, eles se vão, e nenhum homem fala deles. E, para concluir o assunto, o que é até mesmo uma lembrança eterna? Um mero nada. O que então é aquilo sobre o qual devemos empregar nossas sérias aflições? Uma coisa é esta: pensamentos justos, atos sociais, palavras que nunca mentem, e uma disposição que aceita de bom grado tudo o que acontece, se necessário, como de costume, como proveniente de um princípio e de uma fonte da mesma espécie.
Tudo é efêmero, tanto quem se lembra como quem é lembrado.
Marco Aurélio. Meditações
o dever de um homem é permanecer em pé, não ser mantido em pé pelos outros.
Não trabalhe de má vontade, nem sem consideração pelo interesse comum, sem a devida consideração, nem com distração; nem deixe o enfeite estudado desviar os seus pensamentos, e não seja nem homem de muitas palavras, nem ocupado com demasiadas coisas. E mais ainda, que a divindade que está em você seja a guardiã de um ser vivo, másculo e de idade madura, e engajado na matéria política, e um romano, e um governante, que tomou seu posto como um homem esperando o sinal que o convoca a se retirar da vida, e pronto para ir, não requerendo nem do voto nem do testemunho de qualquer homem. Seja alegre também, e não busque ajuda externa nem a tranquilidade que os outros dão. Então, o dever de um homem é permanecer em pé, não ser mantido em pé pelos outros.
Marco Aurélio. Meditações
Comece a manhã
Comece a manhã dizendo a si mesmo, eu me encontrarei com o intrometido, o ingrato, arrogante, enganador, invejoso, anti-social. Tudo isso acontece com eles por causa de sua ignorância do que é bom e mau. Mas eu, que vi a natureza do bem que é belo, e do mal que é feio, e a natureza do que é maligno, que é semelhante a mim; não [só] do mesmo sangue ou semente, mas que participa da [mesma] inteligência e [mesma] parte da divindade, não posso ser ferido por nenhum deles, pois ninguém pode prender em mim o mal, nem posso ficar bravo com meu próximo, nem o odiar. Porque somos feitos para a cooperação, assim como pés, como mãos, como pálpebras, como as linhas dos dentes superiores e inferiores23. Agir uns contra os outros, portanto, é contrário à natureza; e agir uns contra os outros é importunar-se e desviar-se.
Marco Aurélio. Meditações
Duas vidas
Ele tinha duas vidas: uma evidente, que aqueles que achavam isso importante viam e conheciam, uma vida cheia de verdades convencionais e de mentiras convencionais, exatamente igual à vida de seus conhecidos e amigos; e outra vida que transcorria em segredo.
Por uma estranha e talvez fortuita coincidência, tudo o que para ele era relevante, interessante, indispensável, aquilo em que ele era sincero e não enganava a si mesmo, que constituía o âmago de sua vida, não era do conhecimento das outras pessoas, e tudo o que era sua mentira, sua casca, na qual ele se escondia para encobrir a verdade, como, por exemplo, seu trabalho no banco, as discussões no clube, sua “raça inferior”, o comparecimento com a esposa aos jubileus, tudo isso transcorria às claras. E ele julgava os outros por si mesmo, não acreditava no que via, supondo sempre que para cada pessoa, sob o manto do segredo, assim como sob o manto da noite, se passava a sua verdadeira vida, a mais interessante. Cada existência pessoal sustenta-se no segredo, e talvez seja por isso que o homem educado exige tão nervosamente respeito à sua privacidade.
A dama do cachorrinho. Anton Tchekhov
domingo, 8 de dezembro de 2024
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente
Vinicius de Moraes
domingo, 18 de agosto de 2024
O espelho
O espelho apresenta ao viajante sedentário mil reflexões interessantes, mil observações que o tornam um objeto útil e precioso.
Você, a quem o amor deteve ou ainda detém sob seu império, saiba que é diante de um espelho que ele aguça seus traços e medita suas crueldades; é aí que ele ensaia suas manobras, que estuda seus movimentos, que se prepara de antemão à guerra que pretende declarar; é aí que se exercita nos doces olhares, nas caras e bocas, nos enfados calculados, como um ator se exercita diante de si mesmo antes de se apresentar em público. Sempre imparcial e verdadeiro, o espelho devolve aos olhos do espectador as rosas da juventude e as rugas da idade, sem caluniar nem bajular ninguém. — É o único, entre os conselheiros dos grandes homens, que lhes diz sempre a verdade.
Essa vantagem me fez desejar a invenção de um espelho moral, diante do qual todos os homens pudessem se enxergar com seus vícios e suas virtudes. Considerei inclusive propor a alguma academia um prêmio por essa descoberta, mas certas reflexões maduras me provaram sua inutilidade.
Ah, é tão raro que a feiura se reconheça e quebre o espelho! Em vão os espelhos se multiplicam em nosso entorno e refletem com exatidão geométrica a luz e a verdade; porém, no momento em que os raios penetram nossos olhos e nos pintam tal como somos, o amor-próprio se intromete com seu prisma enganador entre nós e nossa imagem e nos apresenta uma divindade.
E de todos os prismas que já existiram, desde o primeiro que saiu das mãos do imortal Newton, nenhum jamais possuiu uma força de refração tão poderosa e produziu cores tão agradáveis e vibrantes como o prisma do amor-próprio.
Ora, uma vez que os espelhos comuns anunciam em vão a verdade e que cada um fica satisfeito com a própria imagem; uma vez que eles não podem dar a conhecer aos homens suas imperfeições físicas, para que serviria um espelho moral? Pouca gente deitaria os olhos nele e ninguém se reconheceria ali, — à exceção dos filósofos. — E mesmo nesse caso tenho minhas dúvidas.
Viagem ao redor do meu quarto. Xavier de Maistre. Editora Antofágica.
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