Você, a quem o amor deteve ou ainda detém sob seu império, saiba que é diante de um espelho que ele aguça seus traços e medita suas crueldades; é aí que ele ensaia suas manobras, que estuda seus movimentos, que se prepara de antemão à guerra que pretende declarar; é aí que se exercita nos doces olhares, nas caras e bocas, nos enfados calculados, como um ator se exercita diante de si mesmo antes de se apresentar em público. Sempre imparcial e verdadeiro, o espelho devolve aos olhos do espectador as rosas da juventude e as rugas da idade, sem caluniar nem bajular ninguém. — É o único, entre os conselheiros dos grandes homens, que lhes diz sempre a verdade.
Essa vantagem me fez desejar a invenção de um espelho moral, diante do qual todos os homens pudessem se enxergar com seus vícios e suas virtudes. Considerei inclusive propor a alguma academia um prêmio por essa descoberta, mas certas reflexões maduras me provaram sua inutilidade.
Ah, é tão raro que a feiura se reconheça e quebre o espelho! Em vão os espelhos se multiplicam em nosso entorno e refletem com exatidão geométrica a luz e a verdade; porém, no momento em que os raios penetram nossos olhos e nos pintam tal como somos, o amor-próprio se intromete com seu prisma enganador entre nós e nossa imagem e nos apresenta uma divindade.
E de todos os prismas que já existiram, desde o primeiro que saiu das mãos do imortal Newton, nenhum jamais possuiu uma força de refração tão poderosa e produziu cores tão agradáveis e vibrantes como o prisma do amor-próprio.
Ora, uma vez que os espelhos comuns anunciam em vão a verdade e que cada um fica satisfeito com a própria imagem; uma vez que eles não podem dar a conhecer aos homens suas imperfeições físicas, para que serviria um espelho moral? Pouca gente deitaria os olhos nele e ninguém se reconheceria ali, — à exceção dos filósofos. — E mesmo nesse caso tenho minhas dúvidas.
Viagem ao redor do meu quarto. Xavier de Maistre. Editora Antofágica.