aprendi tudo ao contrário depois. ser religioso é desenvolver uma mariquice no espírito. um medo pelo que não se vê, como ter medo do escuro porque o bicho-papão pode estar à espreita para nos puxar os cabelos. esperar por deus é como esperar pelo peter pan e querer que traga a fada sininho com a sua minissaia erótica tão desadequada à ingenuidade das crianças. o ser humano é só carne e osso e uma tremenda vontade de complicar as coisas. eu aprendi que aqueles crentes se esfolavam uns aos outros de tanto preconceito e estigmatização. e aprendi, no dia em que perdemos o nosso primeiro filho, que estávamos sozinhos no mundo. atirados para o fundo de um quarto sem qualquer ajuda. e eu ainda fui pedir ao padre que nos fizesse chegar a um hospital, que fosse rápido, porque as águas tinham rompido e a laura não se mexia. não temos carros neste bairro, dizia-lhe eu, é um bairro pobre, ninguém tem dessas máquinas. mas, como está, não há parteira que lhe pegue. está a sangrar, padre, a laura está a sangrar do nosso filho. e o homem disse umas quantas vezes que tudo estaria na vontade de deus e queria com isso afirmar que correria bem. era para que eu não me preocupasse. e depois foi lá ele com duas velhas e não se pensou em nenhum carro. o nosso filho já estava no colo da laura e ela estava sem sentidos, afastada pela dor de permanecer com os olhos abertos sobre o silêncio mortal do bebé.
Valter Hugo Mãe
Nenhum comentário:
Postar um comentário