domingo, 21 de abril de 2019

Sobre provocar a dor

"Quase todos nós distinguimos, por experiência, o que é a dor. Quando ferimos os outros, sabemos que os machucamos. Mesmo que finjamos não saber.

Todos nós comemos da Árvore do Conhecimento, cujo nome completo em hebraico é ערו בוט תעדה ץע, Ets haDaat Tov veRá, a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Se eu tivesse de destilar os Dez Mandamentos em um só, ou o imperativo categórico de Kant em duas palavras, eu diria: “Não ferirás”. [Ou em três palavras: “Não infligirás dor”.]

Tenho mantido uma discussão amarga com um compatriota muito famoso e meu correligionário judeu, Jesus Cristo, que diz: “Perdoa-lhes: não sabem o que fazem”. Às vezes concordo com a primeira parte da sentença, a parte do perdão, mas rejeito energicamente a segunda parte, que implica que devamos ser todos, ou a maioria de nós, perdoados porque somos moralmente imbecis. Não somos. Sabemos o que significa a dor. Sabemos que é errado infligir dor. Toda e cada vez que infligimos dor aos outros, sabemos o que estamos fazendo. Ah, sabemos, sim. Mesmo uma criancinha inocente que puxa o rabo do cachorro sabe que está causando dor. A dor é o grande denominador comum de todas as coisas comuns. A dor é uma experiência democrática, até mesmo uma experiência igualitária. A dor não distingue entre o mais rico e o mais pobre, entre o mais poderoso e o mais submisso. Sempre que infligimos dor aos outros, não o fazemos a partir da ignorância, mas porque, ao que parece, deve haver algum gene malévolo em quase todos nós."

Amós Oz. Como curar um fanático.

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