"Fazia muito tempo que ela tinha abandonado a ideia de fugir para ver imagens novas, rostos novos, como Sammy fizera tantas vezes. Ele nunca a levava e nunca pensava na fuga com antecedência, portanto nunca a planejava. E, de todo jeito, não teria dado certo. Enquanto ela tivesse a aparência que tinha, enquanto fosse feia, teria que ficar com aquelas pessoas. Por algum motivo ela lhes pertencia. Passava longas horas sentada diante do espelho, tentando descobrir o segredo da feiura, a feiura que a fazia ignorada ou desprezada na escola, tanto pelos professores quanto pelos colegas. Era a única pessoa da classe sentava sozinha numa carteira dupla. A primeira letra do seu sobrenome sempre a obrigava a sentar na frente. Mas e Marie Apollinaire? Marie ficava na sua frente, mas dividia a carteira com Luke Angelino.Os professores sempre a tinham tratado daquele jeito. Tentavam não olhar para ela, e só a chamavam quando todos tinham que dar uma resposta. Ela também sabia que, quando uma das meninas da escola queria ofender de verdade um menino ou quando queria obter uma reação imediata dele, podia dizer "Bobby gosta da Pecola Breedlove! Bobby gosta da Pecola Breedlove!" e nunca deixava de provocar gargalhadas de quem ouvisse e raiva fingida do acusado.
Tinha ocorrido a Pecola, havia algum tempo, que, se os seus olhos, aqueles olhos que retinham as imagens e conheciam as cenas, fossem diferentes, ou seja, bonitos, ela seria diferente. Tinha bons dentes, e o nariz, pelo menos, não era grande e chato como o de algumas garotas que eram consideradas tão bonitinhas. Se tivesse outra aparência, se fosse bonita, talvez Cholly fosse diferente, e a sra. Breedlove também. Talvez eles dissessem: ‘Ora, vejam que olhos bonitos os da Pecola. Não devemos fazer coisas ruins na frente desses olhos bonitos."
Toni Morrison. O olho mais azul, pag. 49.
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