segunda-feira, 13 de abril de 2020

Flagelos e vítimas

"Digo apenas que há neste mundo flagelos e vítimas e que é necessário, tanto quanto possivel, recusarmo-nos a estar com o flagelo. Isto parece a você talvez um pouco simples. Não sei se é simples, mas sei que é verdadeiro. (...)Foi assim que decidi pôr-me do lado das vítimas, em todas as ocasiões, para limitar os prejuízos. No meio delas, posso ao menos procurar saber como se chega à terceira categoria, isto é, à paz.


Ao terminar, Tarrou balançava a perna e batia levemente como pé no terraço. Depois de um silêncio, o médico soergueu-se um pouco e perguntou-lhe se tinha alguma ideia sobre o caminho que era preciso seguir para se chegar à paz.


-Tenho. A simpatia.

- Em resumo - disse Tarrou com simplicidade, o que me interessa é saber como alguém pode tornar-se um santo.


- Mas você não acredita em Deus...


- Justamente. Poder ser um santo sem Deus é o único problema concreto que tenho hoje.(...)


- Talvez - respondeu o médico -, mas, sabe, sinto-me mais solidário com os vencidos do que com os santos. Creio que não sinto atração pelo heroísmo e pela santidade. O que me interessa é ser um homem.


- Sim, buscamos a mesma coisa, mas eu sou menos ambicioso."


Albert Camus, in A peste.

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