Que a dor venha, quando quiser, como quiser,
por quem a queira trazer: amigo, inimigo, indiferente.
A dor sempre foi bem recebida nesta casa,
sem gritos nem hostilidade.
Que o coração não seja como um frio sepulcro,
mas ardente e sensível e cheio de densas lágrimas.
Que, no entanto, o lábio não trema nem se entreabra,
e os olhos continuem serenos, translúcidos, sem qualquer esquecimento.
Que a mão permaneça tranqüila, ou apenas se mova
para aquiescer em silêncio - pois à dor nem se precisa falar.
Que a dor venha, e seja como as cartas e os pássaros e as flores
que, às vezes, também pousam perto de nós o seu mistério.
Que seja de qualquer espécie a dor:
da mais simples, que é a vida,
à mais sem remédio, que é a morte
- cedo ou tarde,
de dia, de noite,
no tumulto ou na solidão.
Isto não são palavras de página efêmera:
isto é uma velha inscrição na alma
- onde nada se apaga nem deforma.
Cecília Meireles
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