"Há algo do desejo de voar na foto de Klein. De braços abertos, de peito aberto, olhando para o céu como quem acredita ser capaz de voar. Mas ouve-se desde sempre que voar é impossível. Desde crianças tentamos e desde crianças descobrimos nossa impotencia. Mesmo que nem todo mundo saiba que talvez a unica função real da arte seja exatamente esta, nos fazer passar da impotència ao impossivel. Nos lembrar que o impossível é apenas o regime de existencia do que não poderia se apresentar no interior da situação em que estamos, embora não deixe de produzir efeitos como qualquer outra coisa existente. O impossivel é o lugar para onde nào cansamos de andar, mais de uma vez, quando queremos mudar de situação. Tudo o que realmente amamos foi um dia impossivel.
Mas, como diz o inimigo não ha almoço de graça. Quem toca o impossivel paga um preco. Há o chao à nossa espera, o acidente, a quebra certa e segura como a dureza do asfalto. Dá até para imaginar o riso sardonico de Klein depois de ouvir tal objeção Como quem diz: mas é para isto que a arte existe em sua força politica para deixar os corpos se quebrarem. Se amássemos tanto nossos corpos como são, com suas afecções definidas e sua integridade inviolável, com sua saude a ser preservada compulsivamente, não haveria arte. Há momentos em que os corpos precisam se quebrar, se decompor, ser despossuidos para que novos circuitos de afetos apareçam. Fixados na integridade de nosso corpo próprio, não deixamos o próprio se quebrar, se desamparar de sua forma atual para que seja às vezes recomposto de maneira inesperada.
Saltar no vazio era a maneira tão própria à consciência histórico-politio singular de Yves Klein, de se colocar no limiar de um tempo bloqueado pela repetição compulsiva de uma sensibilidade atrofiada. Se a atrofia atingiu nossa linguagem de forma tão completa, a ponto de ela nos impedir de imaginar figuras alternativas, se fizemos a experiência, tão bem descrita por Nietzsche, de nunca nos desvencilharmos de Deus enquanto acreditarmos na gramática, então é hora de ir em direção ao fundamento e bater contra o chão (se falássemos alemão, eu faria um conhecido trocadilho dialético sobre ir ao fundamento). Era um pouco o que Schoenberg dizia a Cage: "Voce compõe como quem bate a cabeça contra a parede. Para o que a única resposta possivel era: "Então melhor bater a cabeça até a parede quebrar"
Vladimir Safatle. O circuito dos afetos .
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