sábado, 18 de fevereiro de 2023

NÃO SE MATE

 

Carlos, sossegue, o amor 
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo 
e segunda-feira ninguém sabe 
o que será. 

Inútil você resistir 
ou mesmo suicidar-se. 
Não se mate, oh não se mate, 
reserve-se todo para 
as bodas que ninguém sabe 
quando virão, 
se é que virão. 

O amor, Carlos, você telúrico, 
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
la dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe 
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico, vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro 
e as luzes todas se apagam. 
O amor no escuro, não, no claro, 
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá. 

Carlos Drummond de Andrade, ANTOLOGIA POÉTICA, ed. Dom Quixote

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