Amanhece, os primeiros raios da
aurora trazem a expectativa do novo. O sol surgindo entre nuvens aponta para a
possibilidade da vida adquirir mais calor, da potência existencial finalmente
vir a ser real.
O sol escaldante ao longo do dia
mostra que a mesma força geradora da vida traz consigo um grande desconforto. E
estar sob o astro-mor da Via Láctea pode ser
extenuante. Caminhando entre as pessoas pode-se perceber que todos aparentam
estar adaptadas à essa energia inebriante.
Sorriem entre si, correm, planejam, consomem e se consomem. Tudo parece ser tão fácil para a maioria...Vencem
o desconforto do sol utilizando sombrinhas ou se refugiam em ambientes
refrigerados.
Contudo, o homem se sente
desconfortável. Um copo de cerveja para se refrescar do calor e a leitura de
algum poeta lhe parece ser a anestesia para tal sensação. No plano geral a vida se
apresenta como possibilidades multicoloridas, mas a experiência diária tem sido
monocromática, o que resulta em uma tediosa existência.
O sol se vai e o retorno à casa ocorre. Raras vezes ele
consegue parar para vislumbrar a beleza do pôr do sol. Mas sabe que ele continua lindo. A escuridão da noite vai lentamente cobrindo
os resquícios da claridade do dia... Com a ela vem o silêncio. Apenas o barulho
de automóveis volta e meia interrompe os pensamentos do homem. Sim. A noite é o
momento de culto de suas reflexões. Com
uma taça de vinho na mão, auxiliado pelo deus Baco, ele percebe que todas as
sensações do dia nada mais são do que a cobrança de adaptação feita pelo mundo
externo. É o famoso superego tentando
fazê-lo aceitar, se adaptar e gostar da vida ornamental padronizada. Da vida do
sorriso fácil, da concordância com o mais do mesmo cotidiano. Da vida que é a
negação da capacidade criativa da existência.
O homem olha pela janela e vê as
estrelas no céu. Ele sabe que o brilho
que contempla talvez seja de um astro que já não existe mais. Percebe
que a luz continua a brilhar para nós, mas aquela estrela pode não existir
mais. O homem tem uma epifania nesse momento. Ele tinha consciência de que já
não era mais um ser típico das massas,
tinha conseguido um grau de individuação que a maioria não alcançara. Mas o
superego ainda o via como antes, como o efeito retardado da luz das
estrelas. Por esse motivo tantas vezes
ele ficava desconfortável.
Ao pensar sobre isso, o homem passou
em frente ao espelho de seu quarto e se
contemplou. E o que viu era um ser novo, diferente do que lembrava ter sido, um reflexo ainda indefinido. Mas ele gostou do
que viu. Era melhor do que antes e,
apesar de ser monocromático, ele sabia que podia dar as cores que ele
escolhesse à essa imagem. Sorriu para sua imagem espelhada e foi dormir.
Márcio Ramos
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