Fazer uma análise sobre o
porquê de pensar e agir como penso e
ajo me leva a compreensão de que sou um ser em processo de mutação. Muito da
forma como percebo e me relaciono com o mundo é fruto de uma estrutura da qual
não responde mais às minhas necessidades existenciais, e da qual tento me
desvilhenciar. Livrar-se de padrões de pensamento tão arraigado não é
algo fácil, mas a cada dia me convenço mais dessa necessidade. Para isso,
valorizo um pensar e agir que tenha a autonomia como alvo.
O pensar e agir são
influenciados pelo meio em que vivemos. Portanto, se vivemos no Brasil, não
podemos fugir muito da influencia da cultura ocidental e cristã. Além disso, em
meu caso específico, a cultura religiosa teve um papel fundamental para minha
compreensão de mundo, pois foram os primeiros óculos com os quais enxerguei a
vida. Inicialmente esses óculos pareciam me mostrar um mundo possível de paz e
harmonia, sendo unicamente necessária a obediência à divindade. Aos poucos, fui
percebendo que esse estado de felicidade prometido pela fé era impossível de
ser alcançado, pois as pessoas continuavam sofrendo e lamentando, tentando se
conformar diante da dura realidade com a esperança de um paraíso vindouro. Isso
me pareceu insuficiente para dar sentido à vida, mas durante longos anos meu
pensar e agir foi pautado pelos princípios da fé.
O meu lugar social de pobre e
negro também foram definidores de minha forma de estar no mundo. Perceber-se
como pobre e carente foi algo que fiz muito cedo, pois a escassez dos bens
valorizados socialmente me fazia sentir inferiorizado diante dos outros, e de
início, incapaz de me relacionar com eles em pé de igualdade. A percepção
étnica demorou um pouco mais, pois a negação de minha negritude durou até o
Ensino Médio. Não aceitar tal identidade é uma maneira comum de não se
identificar com um grupo marginalizado socialmente, viria depois descobrir. A
“descoberta” de meu pertencimento a “raça” negra foi o primeiro salto em minha
forma de pensar e agir, pois possibilitou o resgate da autoestima e da
valorização de quem eu era diante do outro.
Todas as estruturas apontadas
acima foram importantes para a formação do meu pensar e agir. Entretanto, penso que
o fator fundamental para formação de meu pensamento foi a literatura. Foi
através dela que conseguia desde a adolescência vislumbrar outras
possibilidades de existência. Ela mostrou-me que o mundo não precisava ser
somente branco e preto, mas que era possível colori-lo com as cores que
desejássemos. Mesmo não tendo todos os lápis de cor no momento, havia a
possibilidade de encontrá-los debaixo do sofá, ou quem sabe no terreiro de
casa, e tentarmos fazer uma aquarela da vida.
Entendo hoje que a leitura e a
experiência vivida possibilitou uma mudança paulatina em minha forma de pensar.
De repente me descobri um ser estranho no mundo e até mesmo na forma como eu me
relacionava com a realidade. Minhas ações não diziam respeito a quem eu era de
fato, mas ao que as pessoas esperavam de mim. Estava aprisionado a uma imagem
construída ao longo da vida, mas sentia necessidade ardente de existir, “tinha
que respirar”, não cabia mais na estrutura. Parece-me que as mudanças no “ser”
ocorrem de acordo com esse padrão: a transformação interior acaba implodindo a
fachada.
Enfim, decidir viver a
experiência de buscar pensar e agir de forma autônoma foi um processo que
exigiu muita reflexão e conversas com pessoas especiais, que também buscam o
real sentido de se estar vivo. O diálogo é necessário para que consigamos sair
do pensamento massificado para um tipo de pensar e agir mais significativo, que
leve em consideração quem de fato somos no mundo e como queremos interagir com
essa realidade social que nos é colocada. Pensar fora da caixa é um processo
penoso, agir em conformidade com esse pensar é mais ainda. Mas essa é a única
justificativa presente para nossa busca de sermos humanos."
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