domingo, 1 de fevereiro de 2015

Pensar e agir: a difícil arte de se fazer humano

Fazer uma análise sobre o porquê de pensar e agir como penso e ajo me leva a compreensão de que sou um ser em processo de mutação. Muito da forma como percebo e me relaciono com o mundo é fruto de uma estrutura da qual não responde mais às minhas necessidades existenciais, e da qual tento me desvilhenciar.  Livrar-se de padrões de pensamento tão arraigado não é algo fácil, mas a cada dia me convenço mais dessa necessidade. Para isso, valorizo um pensar e agir que tenha a autonomia como alvo.

O pensar e agir são influenciados pelo meio em que vivemos. Portanto, se vivemos no Brasil, não podemos fugir muito da influencia da cultura ocidental e cristã. Além disso, em meu caso específico, a cultura religiosa teve um papel fundamental para minha compreensão de mundo, pois foram os primeiros óculos com os quais enxerguei a vida. Inicialmente esses óculos pareciam me mostrar um mundo possível de paz e harmonia, sendo unicamente necessária a obediência à divindade. Aos poucos, fui percebendo que esse estado de felicidade prometido pela fé era impossível de ser alcançado, pois as pessoas continuavam sofrendo e lamentando, tentando se conformar diante da dura realidade com a esperança de um paraíso vindouro. Isso me pareceu insuficiente para dar sentido à vida, mas durante longos anos meu pensar e agir foi pautado pelos princípios da fé.

O meu lugar social de pobre e negro também foram definidores de minha forma de estar no mundo. Perceber-se como pobre e carente foi algo que fiz muito cedo, pois a escassez dos bens valorizados socialmente me fazia sentir inferiorizado diante dos outros, e de início, incapaz de me relacionar com eles em pé de igualdade. A percepção étnica demorou um pouco mais, pois a negação de minha negritude durou até o Ensino Médio. Não aceitar tal identidade é uma maneira comum de não se identificar com um grupo marginalizado socialmente, viria depois descobrir. A “descoberta” de meu pertencimento a “raça” negra foi o primeiro salto em minha forma de pensar e agir, pois possibilitou o resgate da autoestima e da valorização de quem eu era diante do outro.

Todas as estruturas apontadas acima foram importantes para a formação do meu pensar e agir. Entretanto, penso que o fator fundamental para formação de meu pensamento foi a literatura. Foi através dela que conseguia desde a adolescência vislumbrar outras possibilidades de existência. Ela mostrou-me que o mundo não precisava ser somente branco e preto, mas que era possível colori-lo com as cores que desejássemos. Mesmo não tendo todos os lápis de cor no momento, havia a possibilidade de encontrá-los debaixo do sofá, ou quem sabe no terreiro de casa, e  tentarmos fazer uma aquarela da vida. 

Entendo hoje que a leitura e a experiência vivida possibilitou uma mudança paulatina em minha forma de pensar. De repente me descobri um ser estranho no mundo e até mesmo na forma como eu me relacionava com a realidade. Minhas ações não diziam respeito a quem eu era de fato, mas ao que as pessoas esperavam de mim. Estava aprisionado a uma imagem construída ao longo da vida, mas sentia necessidade ardente de existir, “tinha que respirar”, não cabia mais na estrutura. Parece-me que as mudanças no “ser” ocorrem de acordo com esse padrão: a transformação interior acaba implodindo a fachada.

Enfim, decidir viver a experiência de buscar pensar e agir de forma autônoma foi um processo que exigiu muita reflexão e conversas com pessoas especiais, que também buscam o real sentido de se estar vivo. O diálogo é necessário para que consigamos sair do pensamento massificado para um tipo de pensar e agir mais significativo, que leve em consideração quem de fato somos no mundo e como queremos interagir com essa realidade social que nos é colocada. Pensar fora da caixa é um processo penoso, agir em conformidade com esse pensar é mais ainda. Mas essa é a única justificativa presente para nossa busca de sermos humanos."


Márcio Ramos

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