Ela dizia sim, mas talvez fosse não, era preciso voltar no tempo através de uma memória que mergulhara em trevas, nada era certo. A memória dos pobres já é por natureza menos alimentada que a dos ricos, tem menos pontos de referência no espaço, considerando que eles raramente saem do lugar onde vivem, e tem também menos
pontos de referência no tempo de uma vida uniforme e sem cor. E claro que existe a memória do coração, que dizem ser a mais segura, mas o coração se desgasta com as dificuldades e o trabalho, esquece mais depressa sob o peso do cansaço. Só os ricos podem reencontrar o tempo perdido. Para os pobres, o tempo marca apenas os vagos vestigios do caminho da morte. E além disso, para poder suportar, nao convém se lembrar muito, é preciso ficar muito perto de cada dia, de cada hora, como fazia sua mãe.
Albert Camus. O primeiro homem
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