"Havia, na minha rua, uma casa pequena e branca. Durante dias, lá não vivia ninguém. Mas, se a lua era cheia, a janela se abria como um livro. Um homem, com rosto de anjo, vestido de luar, debruçava na jane
la e pensava, em sossego, sobre a cidade. Mais calado que o silêncio, o homem olhava e mais nos olhava. Todos da cidade tinham cuidado para não quebrar o seu silêncio. Ninguém soprava uma palavra.
Cochichavam que ele esperava os habitantes
dormir. Na noite alta, ele saía para visitar o sono de cada um. Entrava mansinho, mais leve que o gato, doce como o sereno, suave como o perfume, e virava um sonho diferente para cada uma das pessoas. Naquela noite, todos dormiriam com um breve sorriso na boca.
O prefeito sonhava em ser governador; o padre, em ser bispo; a professora, em ser diretora; o deputado, em ser senador; o soldado, em ser tenente; a solteira, em ser casada; o pedreiro, em ser engenheiro; a
criança, em ser grande; o sem-teto, em ter casa. Todos queriam outra coisa. E para tudo precisava tempo. No dia seguinte, todos acordam como eram antes e com vontade de continuar sonhando.
Mas na cidade vivia um menino. O pai era forte. A mãe, doce. Sua casa ficava perto de um riacho cercado de pedras. Eram três irmãos. O menino tinhaainda um cachorro e uma bola azul.
Quando o senhor dos sonhos entrava em seu sono, o menino sonhava sempre com o que já possuía: um pai, uma mãe, dois irmãos, um cachorro e uma bola, um riacho com pedras cercando a casa. O menino não precisava de tempo, sua vida era um sonho.
O senhor do luar voltava para a casa antiga e fechava o livro da janela. Todo desconheciam quando seria sua próxima visita para sonhar de novo. Mas o homem sabia que naquela cidade morava um menino inteiramente feliz, por saber que viver é um sonho."
Bartolomeu Campos de Queirós. Tempo de vôo.
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