Os textos ficcionais prestam auxilio a nossa tacanheza metafísica. Vivemos no grande labirinto do mundo real, que é maior e mais complexo que o mundo de Chapeuzinho Vermelho. É um mundo cujos caminhos ainda não mapeamos inteiramente e cuja estrutura total não conseguimos descrever. Na esperança de que existam regras do jogo, ao longo dos séculos a humanidade vem se perguntando se esse labirinto tem um autor ou talvez mais de um. E vem pensando em Deus ou nos deuses como autores empíricos, narradores ou autores-modelo. As pessoas tentam imaginar uma divindade empírica: se tem barba; se é Ele. Ela ou Isso: se nasceu ou sempre existiu; e até (em nossa própria época) se morreu. Sempre se procurou Deus como Narrador-nos intestinos dos animais, no vôo dos pássaros, na sarça ardente, na primeira frase dos Dez Mandamentos. Alguns, todavia (inclusive filósofos, é claro, mas também adeptos de muitas religiões), procuraram Deus como Autor-Modelo - quer dizer, Deus como a Regra do Jogo, como a Lei que torna ou um dia tornará compreensível o labirinto do mundo. A Divindade nesse caso é algo que precisamos descobrir ao mesmo tempo que descobrimos por que estamos no labirinto e qual é o caminho que nos cabe percorrer.
(...)há outro motivo pelo qual nos sentimos metafisicamente mais à vontade na ficção do que na realidade. O problema com o mundo real é que, desde o começo dos tempos, os seres humanos vêm se perguntando se há uma mensagem e, em havendo, se essa mensagem faz sentido. Com os
universos ficcionais sabemos sem dúvida que têm uma mensagem e que uma entidade autoral está por trás deles como criador e dentro deles como um conjunto de instruções de leitura.
Umberto Eco. Seis passeios pelo bosque da ficção.
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