quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Medo do escuro


No meio da calçada um vulto 
escuro no escuro. 
A mocinha no meio do caminho 
trêmula de pavor, gritos em desejos 
sufocam-lhe a garganta. 
Mãos assassinas apertam-lhe a glote. 
SOCORRO, grita calada.

O vulto escuro no escuro 
se aproxima. Arma em riste. 
Abruptamente cola 
o seu corpo ao da mocinha. 
A arma em riste continua.

Um pedaço de pau, 
em desconexos giros, 
movimenta no espaço. 
No meio do corpo da mocinha 
um vulto escuro no escuro,

como se buscasse aconchego, 
pede desculpas pelo encontrão 
e implora quase em sussurro 
uma ajuda para atravessar a rua.

Um homem cego 
entre um copo e outro 
se distanciou de seus amigos 
e de sua bengala.

Conceição Evaristo. Poemas da recordação e outros movimentos.

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