quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

O homem sorumbático não tão melancólico

O homem que se dizia sorumbático acordou pensando na mulher. Acordou pensando ter sentido o seu cheiro inesquecível, de ter ouvido sua respiração ofegante e vislumbrando suas curvas sobre a cama onde estava.

Ao abrir os olhos, entendeu que o que sentia era um misto de saudades e de desejo. De desejo misturado a lembrança do prazer dos lábios da mulher, do seu toque, de sua risada gratuita e de tesão abundante.

O homem sorriu tentando rascunhar o que sentia em uma folha de papel. Sorriu porque percebeu que o que vinha à mente era um amontoado de clichês absorvidos ao longo de sua vida, como as frases das músicas que ele dizia nas horas de intimidade e prazer, que sempre faziam a mulher sorrir.

Mas o que o homem queria dizer, escrever, naquele momento, se tivesse a habilidade e a competência dos poetas que tanto lia, era que conhecer a mulher havia permitido a ele se aventurar em experiências da vida menos melancólicas, mais prazerosas, abençoado pelo deus Baco e por Eros.

Ao se levantar para o trabalho diário, sem conseguir concluir o que rascunhara, o homem abriu a janela e sorriu novamente,  concluindo que não era necessário explicar, delimitar, conceituar o que sentia. Preferiu aceitar a contigência da existência e a sua capacidade de aproximar os improváveis.

3 comentários:

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  3. O homem que escreve me afeta. Talvez isso não tenha sentido - mas é o suficiente. Existe em mim (...) "quase uma ânsia de sentir o cheiro do corpo dele, dos braços, que às vezes adivinhei insensatamente."
    ( Guimarães Rosa, 1972)

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