quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O estranho


Não gostava de pessoas.  Achava a maioria das pessoas desinteressante, tediosa, desnecessária... Ao ver os tipos humanos pensava como a espécie conseguiu dominar o planeta.

Entrava no ônibus ou em outros locais públicos  e ouvia as conversas das pessoas. Como gastavam tanto tempo falando sobre o nada. Detalhavam suas vidas medíocres como se fossem importantes.  Cheios de verdades, repetiam jargões vazios como sabedoria. E como precisavam de atenção…

Tentava fugir dessa realidade nas redes virtuais, mas ali também tudo era inútil. Cada indivíduo buscando criar uma imagem de si melhor do que o real, mais feliz, mais bonita, menos cotidiana, mais espetaculosa.

Tudo isso cansava. Perceber tantos fogos de artifícios tentando trazer luz e cores à vida lhe parecia uma forçada ilusão. Precisar se relacionar com tanta gente estranha exigia um esforço diário, esforço de representação para a teatralização da experiência humana. Sua sensação era de que era um farsante, um canastrão.

Mas diante disso tudo, ele precisava sobreviver. A fuga escolhida era o diálogo com os mortos-vivos. Preferia a companhia dos literatos, poetas e filósofos antigos. Gastava horas e horas lendo e pensando sobre suas ideias. Pensava ter ali a justificativa para a permanência dos homens na Terra.

Na verdade, ele percebia que só gostava dos pensadores mortos porque eles não tinham que lidar com sua estranheza. Tamanha estranheza pessoal que o impedia de se conectar às estranhezas dos outros. Pois não é isso que cada ser humano parece ser? Um total desconhecido, inclusive para si, tentando encontrar um lugar mais ou menos confortável nessa multidão de estranhos? Alguma conexão seria possível?

Márcio Ramos

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