quarta-feira, 22 de maio de 2019

A cura para o fanatismo

Eu comecei dizendo que o fanatismo muitas vezes começa em casa. Deixe-me concluir dizendo que o antídoto também pode ser encontrado em casa, virtualmente na ponta dos dedos. Nenhum homem é uma ilha, disse John Donne, mas eu humildemente ouso acrescentar a isso: nenhum homem e nenhuma mulher é uma ilha, mas cada um de nós é uma península, metade ligada ao continente, metade voltada para o mar; metade ligada à família e amigos e cultura e tradições e país e nação e sexo e língua e muitos outros laços. E a outra metade quer ser deixada só e ficar voltada para o oceano. Creio que devíamos ter permissão para continuarmos a ser penínsulas. Todo sistema social e político que faz cada um de nós ser uma ilha darwiniana e o resto da humanidade um inimigo ou rival é um monstro. Mas, ao mesmo tempo, todo sistema social e político e ideológico que quer fazer de nós não mais do que uma molécula do continente também é uma monstruosidade. A condição de península é a própria condição humana. É isso que somos e é o que merecemos continuar sendo. Assim, em certo sentido, em toda casa, em toda família, em toda conexão humana, temos de fato um relacionamento entre um número de penínsulas, e é melhor que nos lembremos disso antes de tentar moldar um ao outro e modificar um ao outro e fazer o próximo ficar do nosso jeito quando ele ou ela, na verdade, estão precisando se voltar ao oceano por um momento. E isso vale para grupos sociais e culturas e civilizações e nações e, sim, israelenses e palestinos. Nenhum deles é uma ilha e nenhum deles pode se misturar completamente com o outro. Essas duas penínsulas deviam manter um relacionamento e, ao mesmo tempo, ser deixadas consigo mesmas. Sei que é uma mensagem incomum nesses dias de violência e de ira e de vingança e fundamentalismo e fanatismo e racismo, todos à solta no Oriente Médio e em toda parte. Um senso de humor, a capacidade de imaginar o outro, a competência de reconhecer a qualidade peninsular de cada um de nós poderá ser pelo menos uma defesa parcial contra o gene do fanatismo que existe em todos nós.

Amoz Oz. Como curar um fanático.

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