A essência do fanatismo reside no desejo de forçar outras pessoas a mudar. A inclinação comum para fazer seu próximo melhorar, ou para corrigir sua esposa, ou para direcionar seu filho, ou para endireitar seu irmão, em vez de deixá-los serem como são. O fanático é a menos egoísta das criaturas. O fanático é um grande altruísta. Frequentemente o fanático está mais interessado em você do que nele mesmo. Ele quer salvar sua alma, quer te redimir, quer te livrar do pecado, do erro, de fumar, de sua fé ou de sua falta de fé, quer melhorar seus hábitos alimentares, ou te curar da bebida ou de sua preferência na hora de votar. O fanático se importa muito com você, ele está sempre pulando em seu pescoço porque te ama de verdade, ou então está em sua garganta caso demonstre ser irrecuperável. E seja qual for o caso, falando topograficamente, pular em seu pescoço e estar em sua garganta é quase o mesmo gesto. De um modo ou de outro, o fanático está mais interessado em você do que nele mesmo, pela muito simples razão de que o fanático tem muito pouco de “ele mesmo”, ou nenhum “ele mesmo”.
(...)
O fanatismo começa em casa. Inicia exatamente com o impulso muito comum de mudar um parente querido para o próprio bem dele, começa com o ímpeto de se sacrificar pelo bem de um querido e amado vizinho, começa com o impulso de dizer a um filho seu: “Você deve ser como eu e não como sua mãe” ou “Você deve ser como eu e não como seu pai” ou “Por favor, seja algo muito diferente de seus dois pais”. Ou, entre casais casados, “Você tem de mudar, você precisa enxergar as coisas como eu vejo ou esse casamento não vai funcionar”. Frequentemente começa com o impulso de viver sua vida calcada na vida de outra pessoa. De doar a si mesmo para facilitar a satisfação do próximo ou o bem-estar das próximas gerações. O autossacrifício muitas vezes envolve infligir terríveis sentimentos de culpa no beneficiário, e com isso manipular, até mesmo controlar ele ou ela. Se tivesse de escolher entre os dois estereótipos de mãe na famosa piada judaica — a mãe que diz a seu filho: “Termine o seu café da manhã ou eu te mato” ou a que diz: “Termine o seu café da manhã ou eu me mato” —, eu provavelmente escolheria o menor dos dois males. Isto é, em vez de não terminar meu café da manhã e morrer, não terminar meu café da manhã e ter sentimento de culpa pelo resto da minha vida.
Amoz Oz. Como curar um fanático.
Nenhum comentário:
Postar um comentário