terça-feira, 28 de maio de 2019

Morcegos e humanidade

Fui ganhando destreza na arte de capturar os grandes morcegos, esses vorazes comedores de fruta. Nos troncos
cimeiros se conservavam de cabeça para baixo, balanceando como pêndulos vivos, alertados mas sem receio aparente. Empoleirada nas alturas, contemplava-os
demoradamente antes de lhes lançar a rede. Nem sempre se distinguiam os vivos dos falecidos. As garras  prendiam-se aos ramos com tal afinco que, mesmo depois
de mortos, permaneciam suspensos e assim secavam até  não serem mais que uma engelhada sombra. Alguns de nós, humanos, temos esse mesmo destino: falecidos pó dentro, e apenas mantidos pela parecença com os vivos que já fomos.

Mia Couto. Mulheres de cinza.

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