quarta-feira, 22 de maio de 2019

A infantilização da humanidade

Talvez o pior aspecto da globalização seja a infantilização da humanidade: “o jardim de infância global”, cheio de brinquedos e gadgets, balas e pirulitos. Até a metade do século XIX, alguns anos a mais ou a menos — isso varia de um país a outro, de um continente a outro —, mas aproximadamente, a maioria das pessoas na maior parte do mundo tinha pelo menos três certezas fundamentais: onde eu vou passar minha vida, o que vou fazer para viver e o que vai acontecer comigo depois que eu morrer. Quase toda pessoa no mundo, há apenas 150 anos, se tanto, sabia que ia passar a vida exatamente onde tinha nascido ou em algum lugar próximo, talvez na aldeia vizinha. Todo mundo sabia que o que faria como meio de vida era o que seus pais tinham feito como meio de vida, ou algo muito semelhante. E todos sabiam que, caso se comportassem bem, seriam transformados para viver num mundo melhor depois de morrer. O século XX corroeu e muitas vezes destruiu essas e outras certezas. A perda dessas certezas elementares pode ter sido a causa do meio século mais pesadamente ideológico, seguido do meio século mais furiosamente egoísta, hedonista, orientado para gadgets. Nos movimentos ideológicos da primeira metade do século passado, o mantra costumava ser “amanhã será um dia melhor — façamos sacrifícios hoje”; vamos até mesmo impor sacrifícios a outras pessoas hoje, para que nossos filhos herdem um paraíso no futuro. Em algum momento em meados desse século, tal conceito foi substituído pelo conceito de felicidade instantânea, não somente o famoso direito de batalhar pela felicidade, mas a efetivamente difundida ilusão de que a felicidade está ali nas prateleiras e que tudo que se deve fazer é enriquecer o bastante para se permitir adquirir a felicidade usando sua carteira. A noção de “felizes para sempre”, a ilusão de uma felicidade duradoura é, na atualidade, um oximoro. Ou um platô ou um clímax. Felicidade que dura para sempre não é felicidade, assim como um orgasmo que dura para sempre não é nenhum orgasmo.

Amoz Oz. Como curar um fanático.

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