A discussão na reunião de professores corria animada, todos querendo opinar sobre o melhor meio de despertar o interesse dos alunos pela literatura. Como provocar nos alunos o encanto e o deslumbramento pelo fascinante mundo da leitura era a pauta do dia .
Após se decidir sobre os projetos que envolveriam os alunos, o coordenador sugere, entusiasmado, que os professores participem da onda literária fazendo um Café Literário, aonde seria recitado ou lido algum texto que o professor considerasse interessante para o grupo.
O professor que até então estava apático, ficou empolgado. Pouca coisa despertava seu real interesse nessas discussões pedagógicas, mas a literatura era sua grande paixão. Ao ouvir a proposta do Café Literário já vislumbrou momentos enriquecedores de troca de impressões literárias e da descoberta de novas e interessantes leituras, quem sabe um clássico que ele desconhecia ou um escritor contemporâneo em destaque.
Até que alguém se levanta e pergunta se podia ler trechos da Bíblia.
O homem se entristeceu. Sabia que seu vício literário também podia ser visto como uma fuga da realidade como a que todos ali buscavam em suas experiências cotidianas e místicas. Entretanto, ele considerava que sua experiência era esteticamente mais rica e profunda, já que dialogava com a experiência criativa humana das palavras. Mas porque esse seu gosto seria melhor que o das outras pessoas daquela sala?
O homem tentou fazer uma defesa de se priorizar de fato a literatura nesse momento literário, mas foi voto vencido. Ele se recolheu novamente ao seu mundo, se sentindo novamente só e diferente, se percebendo cada vez mais solitário em seus interesses. Concluiu que não havia nada a ser feito. Cada um oferece o que tem, e a maioria ali só podia oferecer sua dose diária de leitura religiosa ou de autoajuda.
Ele tentava se apegar a essa análise da tolerância e do respeito às diferenças, mas não conseguia deixar de pensar o quão pobre é uma sociedade em que seus mestres pedagogos não conhecem outra leitura senão a voltada para a prática devocional. O homem não conseguia compreender como aquele grupo de professores poderiam contribuir para a formação de leitores, se eles mesmos não liam.
A tristeza diminuiu quando ele se lembrou de um dos seus poetas preferidos, Baudelaire. Viu um alívio em seu texto. "Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se. Embriaguem-se sem descanso. Com vinho, poesia ou virtude… A escolher. ". Como o homem não era virtuoso, pegou um vinho e um livro poético e foi se embriagar.
Márcio Ramos
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